Legado de técnico 'mestre' de Vini Jr chega à Copa dois anos após sua morte

Por GABRIEL CARNEIRO

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - "O Amadeu foi o grande artífice do Vini Jr. O grande orientador. Mas vocês não sabem. Ele pegava o Vini e orientava. O quanto ele foi influente... O Vini tem adoração pelo Amadeu", disse Tite, numa conversa com o UOL Esporte.

Este homem que foi "o grande orientador" do jogador brasileiro com mais destaque no mundo na atualidade é Carlos Amadeu, ex-técnico da seleção brasileira nas categorias sub-17 e sub-20 e que ajudou a formar três jogadores convocados para a Copa do Mundo do Qatar: além de Vini Jr, Rodrygo e Éder Militão. Isso sem contar Matheus Cunha, Emerson Royal, Vitão, Paulinho...

Carlos Amadeu morreu em novembro de 2020, vítima de um infarto. Ele estava na Arábia Saudita, onde trabalhava havia poucos meses na formação de jogadores. Dois anos depois de sua morte, o legado do treinador chega ao Mundial e conforta a família.

"Eu comento aqui em casa que enquanto esses caras estiverem jogando no mais alto nível meu pai continua vivo. Porque ali tem muito dele. Para a família é gratificante ver o Vini falar sobre ele, o Tite falar sobre ele. Pegar o celular dele e ver mensagem do Emerson, ver no Instagram o reconhecimento desses caras por ele até hoje", diz Ricardo Amadeu, filho do ex-técnico da seleção.

Na convocação para a Copa do último dia 7, Tite mencionou Amadeu mais uma vez: "Representando os técnicos da base da seleção, obrigado Amadeu. Essa nova geração vem de uma categoria de base muito bem estruturada."

Ricardo Amadeu, o filho, também trabalha com futebol. Ele hoje é auxiliar técnico do Vitória, que subiu para a Série B do Brasileiro neste ano. Por isso, o filho sempre compartilhou ideias com o pai. Inclusive sobre Vini Jr, comandado por Carlos Amadeu na base.

"O Vinicius na base do Flamengo jogava mais solto e na base da seleção tinha que recompor a linha de quatro, marcar, uma atribuição que não tinha no clube. Para que ele fizesse isso foi uma construção, não foi do dia para a noite. Meu pai falava em 'conscientizações'. Então mostrava vídeo, mostrava no campo e estimulava o comprometimento tático", diz Ricardo Amadeu, que lembra do pai não queria que Vini perdesse a essência, mesmo marcando.

"Era uma preparação para o Vini jogar no alto nível em que joga hoje, uma preocupação em dar o componente tático sem tirar o técnico, o individual. O ajuste para fazer ele entender que precisava daquilo. Lembro bem do Sul-Americano sub-17 em que o Vini foi destaque da seleção jogando pela esquerda e recompondo na segunda linha de quatro, que é basicamente o que ele faz hoje em dia na seleção e no Real Madrid."

Vini Jr hoje é titular do Real Madrid jogando justamente na ponta esquerda e com responsabilidades defensivas claras. Na seleção ele atua em uma das duas formações mais trabalhadas por Tite, também jogando do lado esquerdo. Ele precisa voltar para marcar menos do que no clube e, por isso, vai para a reserva na formação mais cautelosa entre as duas, que tem o volante Fred incluído.

Segundo várias pessoas ouvidas pela reportagem, Carlos Amadeu tinha muita preocupação com os jogadores mais badalados que comandava na base da seleção. São os casos de Vini Jr, já em ascensão no Flamengo, e Rodrygo, que estreou como profissional do Santos com só 16 anos. Amadeu queria que essas estrelas não se perdessem, como lembra Carlos Guilherme Dalla Déa, ex-técnico das seleções brasileiras sub-15 e sub-17 e auxiliar de Amadeu em várias competições por causa da integração da CBF.

Eles ainda eram muito jovens, naquela troca da adolescência da categoria sub-17, onde perdemos muito talento. Jogadores já reconhecidos no Brasil e que era muito importante serem ajudados dentro da seleção. Vinicius era muito agudo ofensivamente, mas faltavam detalhes em questões defensivas e mostramos muito isso para ele. Não precisava descer até o último terço, podia ser só até o meio-campo, mas que ele entendesse isso. Tínhamos de atacar esses pontos dentro de uma semana de treino e competição e acho que deu certo."

O treinador também incentivava a importância de os atletas terem conhecimento sobre a cultura dos países por onde a seleção viajava e fazia até desafios de conhecimento entre eles na concentração, como forma de estímulo. Amadeu foi professor de ensino fundamental, médio e superior, além de ter estudado psicanálise para completar a formação. Sempre sereno na beira do campo, nunca dono de reações enérgicas. O filho lembra bem:

"Ele não via o futebol dissociado da pessoa e procurava em todos os momentos entender o contexto geral não só do jogo, mas do que cada um passava. Ele vem de um cunho pedagógico e entendia todas as realidades daqueles jovens que alguns iam fazer sucesso e muitos não iam chegar lá. Talvez esse seja nosso maior desafio no futebol: não o de formar os três de sucesso, mas deixar algo para os outros 25. Era essa a marca dele", conta Ricardo Amadeu, emocionado.

"O PROFESSOR TITE TEM DESFRUTADO"

Carlos Amadeu foi contratado pela CBF em 2015 para comandar a seleção sub-17. Quase ao mesmo tempo também chegaram Rogério Micale na sub-20 e Dalla Déa na sub-15. Era a gestão de Gilmar Rinaldi na coordenação de seleções e Erasmo Damiani na base. Foi o princípio da estrutura que a CBF tem até hoje, com os ex-jogadores Juninho Paulista e Branco nos cargos.

"Em 2015 começamos a trabalhar com uma geração para que depois de cinco ou dez anos tivesse atletas na seleção principal. Foi uma virada de chave, um olho muito clínico para captar atletas junto com observadores contratados monitorando no Brasil e fora atletas com potencial grande para conseguir dar esses frutos que hoje o professor Tite tem desfrutado", diz Dalla Déa, que hoje trabalha na base do Corinthians.

Odair Hellmann, novo técnico do Santos, foi um dos profissionais dentro dessa estrutura. Assim como Thomaz Araújo, hoje analista de desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo.

O fluxo só melhorou depois que a CBF trocou Dunga por Tite no comando da seleção principal, como explica Dalla Déa: "Tínhamos uma conversa toda semana. Tecnicamente, quem vai para a seleção é indiscutível. Mas ele [Tite] queria saber como construímos o comportamento. Espero que isso continue em 2023, quando o Tite sair."

Carlos Amadeu deixou a CBF em fevereiro de 2019, depois do quinto lugar da seleção no Sul-Americano sub-20. Pouco depois foi contratado para dirigir o sub-20 do Bahia, mas saiu após seis meses para trabalhar na Arábia Saudita, no sub-19 do Al Hilal. Ele negou uma proposta da China no período.

O trabalho durou apenas três meses. Ativo fisicamente, Carlos Amadeu teve um ataque cardíaco em casa horas depois de uma pelada com a comissão técnica do Al Hilal. Morreu aos 55 anos.

"Ele era um cara que se cuidava bastante, então não esperávamos. Ele tinha muito a contribuir para o futebol e sinto que isso virou minha missão. Meu irmão mais novo acabou de fazer 18 anos, jogava na base do Vitória e agora está num novo clube aqui em Salvador, também cursa Educação Física e sabe que trabalhamos não só por nós, mas também por ele e para ele", diz Ricardo.