Qatar espera futebol para começar a Copa do Mundo de falcões

Por ALEX SABINO E GABRIELA BILÓ

DOHA E AL KHOR, QATAR (FOLHAPRESS) - A 11 quilômetros do estádio Al Bayt -palco da abertura do Mundial e da partida entre França e Marrocos, na próxima quarta-feira (14)-, o Qatar faz sua preparação para a próxima copa que sediará.

O movimento no local é intenso. São pessoas com túnicas brancas ou beges. No braço está sempre um pássaro com uma balaclava que lhe cobre os olhos. Ali funciona o hospital de Al Khor para falcões, a ave nacional do Qatar. Durante a temporada de caça, de agosto a abril, a clínica chega a atender 200 animais por dia. O número pode atingir 25 mil por ano.

A preocupação no momento é estar pronto para o Marmi Festival, evento que é realizado anualmente em Doha, geralmente em janeiro, e arrasta milhares de pessoas. É uma espécie de Copa do Mundo dos falcões.

"É a competição mais importante que temos. Vem muita gente para assistir, inclusive turistas e treinadores de outros países. É gigante", afirma Niyaz Abbas, 26, funcionário do Birds Central, loja que vende falcões no Falcon Souq, espaço dedicado à exibição e comércio da ave, no centro de Doha.

A Copa do Mundo de futebol atrapalhou a preparação para o Marmi Festival. Os treinos dos animais, que podem ser feitos perto do Falcon Souq, foram cancelados por causa da espera por turistas interessados no futebol. Não que Abbas tenha notado tanta diferença assim.

"A quantidade de pessoas é basicamente a mesma", constata o vendedor, que faz cara de enfado quando visitantes entram na loja não para comprar, mas para fotografar e perguntar e perguntar se é possível colocar um falcão sobre o braço. O pedido sempre é atendido.

O Marmi Festival se prepara para sua 14ª edição. É o nome popular do Festival Internacional de Falcões e Caça. O propósito é promover aspectos tradicionais da cultura árabe, da qual o falcão é representativa.

"Ele faz parte de quem somos, da nossa herança. São lembranças que passam de família para família, de um animal tão leal que só atende a voz do seu dono", afirma o médico Ikdam Alkarkhi, diretor do hospital de falcões de Souq Waqif, muito procurado por visitantes do exterior por estar na região mais turística de Doha.

A clínica mais movimentada fica em Al Khor, nas cercanias de Doha. É para lá que vão os treinadores preocupados com a saúde de seus animais antes do Marmi Festival.

Milhares de falcões são pré-selecionados, e apenas quatro participam das finais de cada categoria. Há classes velocidade (a ave pode voar a até 300 km/h), caça e alcance da visão (ela enxerga com precisão 300 vezes maior do que a do ser humano).

Existe também a disputa com base na beleza, na qual geralmente são inscritos os falcões mais caros, da raça golden white. Raros, eles podem valer até 1 milhão de rials do Qatar (R$ 1,42 milhão).

"Se você procurar aqui em Souq Waqif, talvez encontre um. Mas o preço vai partir de 200 mil rials [R$ 285 mil]", explica Abbas.

Os prêmios para os vencedores são significativos. O primeiro colocado de cada categoria recebe 100 mil rials (R$ 142 mil). São distribuídos 15 veículos da fabricante Lexus. Mas a recompensa maior é o ego de ter o melhor falcão, algo importante na cultura qatariana. Espalhada pelo Oriente Médio, é tradição iniciada há mais de 5.000 anos na região onde hoje está o Irã.

Os beduínos introduziram a criação da ave no Qatar, dentro da tradição de caça de carne fresca para alimentar os donos.

"O [Marmi] Festival é a representação da importância que esta ave tem para os qatarianos e para a região. Dos amigos que vão para o deserto, fazem fogueira, levantam barracas, soltam o seu falcão para ir atrás de uma caça e depois recebem um pedaço de carne como recompensa. De fato, o falcão é um animal que, quando captura a presa, abre suas asas para que os outros falcões não vejam", explica Alkarkhi.

A caça com o falcão é considerada o esporte nacional do país. Isso apesar dos cerca de US$ 200 bilhões (R$ 1,05 trilhão) gastos pelo Qatar para receber a Copa do Mundo de futebol.

O Marmi Festival tem o apadrinhamento, como tudo nesta nação árabe, do emir Tamim bin Hamad Al Thani. O mesmo que autorizou o investimento para receber o torneio da Fifa. Em todas as lojas que vendem falcões e nos hospitais em que os livros sobre anatomia deste animal estão sobre as mesas, está pendurado na parede quadro com foto do emir de braço esticado, com uma ave sobre ele.

As clínicas são subsidiadas pela família real. Atendem treinadores locais e os que viajam de outros países da região. O valor pago é simbólico. O Ministério do Meio Ambiente do Qatar tem um departamento apenas para cuidar de falcões. Os animais que participam de competições possuem passaportes para viajar ao exterior.

O que os criadores, vendedores e treinadores de falcão esperam agora é que a Copa do Mundo de futebol termine para que o seu equivalente de falcões comece.

"Para as pessoas da região é algo muito importante", constata Mohamed Al Quwaru, gerente do hospital para falcões de Al Khor.