Copa tem manifestações políticas, mas Qatar mantém controle do Mundial
DOHA, QATAR (FOLHAPRESS) - A Copa do Mundo do Qatar foi marcada por manifestações políticas. O arco-íris LGBTQIA+ esteve presente nos estádios, desafiando as penas de prisão e de morte. A bandeira da Palestina se tornou o grande símbolo político do Mundial. Os direitos das mulheres iranianas ganharam destaque, mostrando ao mundo o que é viver sob um governo ultraconservador.
Mas tudo isso com a narrativa controlada pelo regime do emir Tamim bin Hamad Al Thani, o oitavo da dinastia Thani, sobrenome à frente do território desde 1851, quando o Qatar sequer era Estado.
A primeira grande manifestação de força do país ocorreu dias antes do início do Mundial. O Comitê de Entrega e Legado, que organiza o campeonato, proibiu a venda de bebidas alcoólicas nos estádios e arredores.
Financeiramente, a principal afetada foi a patrocinadora Budweiser, que pagou mais de R$ 405 milhões pelo direito de comercializar cerveja no evento.
A decisão também causou furor nos torcedores, muitos pegos de surpresa ao desembarcarem na nação do Golfo Pérsico. Também elevou a tensão entre a Fifa e o país anfitrião, apesar dos comunicados divulgados dizerem que a diretriz chegou a público após "discussões" entre a entidade e as autoridades qatarianas.
Desde antes do início do Mundial, porém, a dura legislação do país também levantava dúvidas sobre como seria a recepção dos turistas no campeonato. O caso da mexicana Paola Schietekat causou furar na comunidade internacional.
Ela foi até autoridades locais denunciar um caso de estupro e terminou condenada a sete anos de prisão, além de cem chibatas, por sexo fora do casamento, evidenciando a vulnerabilidade de mulheres no país.
Ela trabalhava no comitê organizador do Mundial no país quando o crime aconteceu. A alternativa dada à mexicana para se livrar da pena foi se casar com o agressor. Pouco depois do ataque, ela conseguiu deixar a nação do Golfo.
"Após esse processo, percebi que, apesar de meus diplomas acadêmicos, preparação profissional, independência financeira e apesar de trabalhar para o governo do Qatar, sou vulnerável a violações de direitos humanos por instituições arcaicas e abusivas", escreveu Schietekat em uma postagem nas redes sociais.
Desde que o país foi anunciado como sede do Mundial, ativistas de direitos humanos, entre eles feministas, incentivaram boicote ao evento. O caso foi um dos que levantaram dúvidas quanto ao tratamento que seria dado às mulheres enquanto estivessem de passagem pelo Qatar.
Mas com a chegada do campeonato, o regime decidiu arrefecer diversas restrições. Casais sem matrimônio não tiveram problema em reservar quartos conjuntos em hotéis, assim como turistas, principalmente mulheres, puderam usar roupas que não correspondiam às orientações de evitar ombros à mostra e cobrir joelhos. Muitas disseram que se sentiram seguras no país.
Quando o assunto eram os estádios, o permitido dependia da mensagem ?ao menos no início. Bandeiras da Palestina foram liberadas, mas aqueles que buscavam apoiar as mulheres que protestavam em favor de seus direitos no Irã enfrentavam resistência de quem fazia a segurança da arena.
O governo do Qatar apoia a Palestina enquanto Estado soberano e independente e não tem relações diplomáticas com Israel. Por outro lado, o país-sede tem laços políticos próximos com o governo do Irã.
Foi necessário que a Fifa fizesse um pronunciamento indicando que faixas de apoio aos protestos no país seriam permitidas nas arenas.
O documento dizia que a entidade estava ciente de que itens permitidos não estavam sendo autorizados nos estádios, mas que recebeu garantia das autoridades locais para que as diretrizes combinadas fossem cumpridas. A declaração se referia também a itens com o arco-íris LGBTQIA+.
As manifestações em relação aos direitos da comunidade também seguiram, prioritariamente, alvo do regime qatariano. O arco-íris, independentemente de ser ou não relacionado com a causa, se tornou um ponto de tensão para o governo.
Torcedores foram reprimidos por andar nas ruas das cidades parte do Mundial com itens que não necessariamente defendiam a comunidade. O mesmo aconteceu nos estádios. Fãs de diferentes nacionalidades foram barrados ou tiveram sua entrada nas arenas dificultadas por portarem objetos que continham o arco-íris.
Ser homossexual no país é crime passível de prisão ou morte. A legislação do Qatar é baseada na sharia, a lei tradicional islâmica.
O professor Reginaldo Nasser, docente de relações internacionais na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em Oriente Médio, vê as manifestações políticas como personagens pontuais do Mundial, o que teria facilitado o controle do regime.
Além disso, aponta que o Qatar, enquanto figura política, é influente e isso pode ter contribuído para acordos necessários com a Fifa.
"O Qatar é um país poderoso, tem uma elite econômica, política que tem uma presença no mundo ocidental muito forte. Está no esporte, com o Paris Saint-Germain, da França, por exemplo, que agora tem seus jogadores na final. Messi de um lado e MBappé do outro. E seu poder vai além disso, como a questão do petróleo e agora gás", diz, referindo-se aos jogadores do time francês que pertence à Qatar Sports Investments, empresa subsidiária do fundo soberano do Estado do Golfo.