Promotor do caso das apostas esportivas defende regulamentação do mercado

Por FABIO SERAPIÃO EJOÃO GABRIEL

Ministério Público de Goiás

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A regulamentação do mercado de apostas esportivas tem avançado no governo federal em meio à revelação de um esquema de fraudes no futebol brasileiro e é defendida por quem está à frente das investigações sobre o caso.

Promotor do Ministério Público de Goiás no comando da operação Penalidade Máxima, que investiga possível manipulação de resultados de partidas, Fernando Cesconetto aponta para a necessidade de novas regras para o setor. "Está ficando claro que somente o aspecto repressivo é insuficiente para coibir essa prática ilícita", afirma à Folha de S.Paulo.

Cesconetto defende que seja criado um fluxo de informações entre as casas de apostas, clubes e autoridades -por exemplo, com envio de relatórios de indícios de manipulação, feitos pelas empresas e enviados às entidades fiscalizadoras, para dar celeridade a processos de investigação.

"Daí a necessidade de ter um compliance [cumprimento de normas] efetivo dessas empresas, para facilitar a atuação preventiva e não colocar todas as fichas somente no aspecto repressivo", diz.

Aprovada inicialmente em 2018, a lei das apostas de alíquota fixa -hoje em dia difundidas apostas esportivas feitas em sites- ficou quatro anos engavetadas, sem regulamentação, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Um decreto com regras, com uma medida provisória complementar, com aprovações do setor, da Casa Civil e do Ministério da Economia, ficou meses no gabinete do ex-presidente, à espera de uma assinatura.

Em dezembro, Bolsonaro deixou expirar o prazo previsto em lei. Enquanto isso, o mercado se expandiu sem normas e escapando de impostos.

Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam que o fato criou um imenso mercado de casas de apostas no futebol brasileiro, que hoje em dia inclusive patrocinam a maioria dos clubes da Série A -mas que vive à margem da lei.

Agora, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara uma nova medida provisória para o setor, na qual prevê a proibição de atletas de fazer apostas em jogos nos quais podem ter alguma influência. A norma deve ser apresentada na esteira das investigações em curso contra jogadores de futebol que teriam recebido dinheiro para realizar determinadas ações durante as partidas, como levar cartão amarelo ou vermelho e cavar um pênalti.

O Ministério da Fazenda defende que o texto, ao qual a Folha teve acesso, estabelece regras claras e garante uma nova fonte de receitas para os cofres públicos. Além disso, determina que caberá à pasta "autorizar, permitir e conceder, normatizar, regular, supervisionar e fiscalizar a exploração da loteria de apostas".

Cesconetto lidera as investigações da operação Penalidade Máxima, que mira um grupo que aliciava jogadores e fraudava apostas de campeonatos estaduais e do Campeonato Brasileiro. Até agora, 15 atletas foram denunciados pelo Ministério Público, que agora mira novos integrantes da suposta quadrilha e o esquema para lavagem do dinheiro obtido.

"É importante registrar que o que temos até o momento deixa claro que estamos tratando aqui da exceção, da minoria de jogos, da minoria de condutas ilícitas. Temos inúmeros casos de jogadores que prontamente recusaram as propostas", ressalta.

"Não se trata aqui de promover uma caça às bruxas, dizer que todo e qualquer evento, todo e qualquer jogo que tenha um lance minimamente inusitado passe necessariamente a ser suspeito, muito menos criminoso", completa ele, ressaltando que as investigações da Penalidade Máxima recaem sobre um grupo específico.

Segundo a investigação, os jogadores que eram aliciados pelo esquema e que, por vezes, ajudavam a aliciar outros colegas para realizar o que o grupo havia apostado -por exemplo, tomar cartão amarelo ou vermelho.

Nos autos do processo, mais de 50 jogadores foram citados no total, dentre os quais 15 já foram denunciados. Quatro admitiram culpa e fizeram acordo de não-persecução penal com o Ministério Público.

A proposta de regulamentação em discussão no governo Lula prevê diferentes sanções de âmbito administrativo caso a empresa de apostas cometa infrações, como fazer publicidade de serviço não autorizado ou manipular resultados de partidas. Entre as penalidades, está a proibição de obter nova liberação por dez anos e multa de até R$ 2 bilhões.

Havendo evidências de manipulação de resultados, o Ministério da Fazenda poderá determinar, cautelarmente, a imediata suspensão das apostas e a retenção do pagamento dos prêmios.

O Ministério da Fazenda afirma que as empresas serão taxadas em 16% sobre o chamado Gross Gaming Revenue (GGR), a receita obtida com todos os jogos feitos -subtraídos os prêmios pagos. Sobre o dinheiro recebido pelo apostador será tributado 30% de Imposto de Renda, respeitada a isenção de R$ 2.112,00.

Ainda no âmbito das investigações contra o grupo suspeito de manipular resultados, a procuradoria do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) fez um pedido de suspensão de oito jogadores investigados por manipulação de partidas. A solicitação foi aceita pelo presidente do órgão, Otávio Noronha, que aplicou a medida preventivamente por 30 dias.

Foram suspensos Eduardo Bauermann (Santos), Moraes (Aparecidense, ex-Juventude), Gabriel Tota (Juventude), Paulo Miranda (Náutico, ex-Juventude), Igor Cariús (Sport, ex-Cuiabá), Matheus Gomes (ex-Sergipe), Fernando Neto (São Bernardo, ex-Operário-PR) e Kevin Lomónaco (Red Bull Bragantino).

Seis deles foram denunciados pelo MP-GO. A Justiça de Goiás acatou a denúncia e os tornou réus. Kevin Lomónaco e Moraes fizeram acordo de colaboração com o MP e não foram denunciados na Justiça comum, mas continuam sujeitos a punições esportivas.

De acordo com o procurador-geral do STJD, Ronaldo Piacente, ainda que não tenha ocorrido julgamento, as provas apresentadas pelo Ministério Público são suficientes para justificar o gancho preventivo.

O caso pode ser enquadrado pelo Estatuto do Torcedor em seu artigo 41-D: "dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição". A pena pode ser de até seis anos de prisão.

Na esfera esportiva, os jogadores foram denunciados com base no artigo do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) que fala em "atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende". A pena prevista é de multa de até R$ 100 mil e suspensão de até dois anos. Em caso de reincidência, é possível o banimento do esporte.

**O QUE DIZEM OS ATLETAS:**

Lomónaco e Moraes confessaram participação no esquema.

Bauermann, antes da divulgação das conversas que teve com apostadores, negou "vigorosamente" , em nota, qualquer envolvimento. Depois da apresentação da denúncia do MP-GO, preferiu não se manifestar.

Em depoimento, questionado sobre o recebimento de dinheiro, Gabriel Tota afirmou: "Não me recordo".

A assessoria de Paulo Miranda disse em nota que ele "sempre se colocou à disposição para esclarecimentos". Afirmou ainda que o atleta "empregará todos os esforços possíveis para demonstrar sua inocência".

O advogado de Igor Cariús declarou ao site ge.globo que o dinheiro negociado por ele não foi para manipulação de partidas. "Pode ser" referente a patrocínio de material esportivo, afirmou o advogado, antes de dizer que estudaria o caso para identificar a razão do pagamento.

Matheus Gomes não se manifestou publicamente.

A defesa de Fernando Neto afirmou ao UOL que ele é inocente e foi vítima de chantagem. Segundo seu advogado, ele não executou o que foi pedido e devolveu o dinheiro que tinha recebido dos apostadores.