Voos, hospedagem e até reformas na Vila: conheça a chefe do projeto do Brasil para Paris-2024

Por LUCIANO TRINDADE

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dois cavalos garanhões --machos que não foram castrados-- não devem ser transportados no mesmo ambiente de um avião, pois eles podem ficar agressivos e estressados ao longo da viagem, prejudicando seu desempenho para o hipismo.

Quando começou a trabalhar no COB (Comitê Olímpico do Brasil), Joyce Ardies, 38, não imaginava que sua função como gerente da área de Jogos e Operações Internacionais da entidade exigiria o conhecimento de detalhes tão específicos como esse para organizar as viagens da delegação brasileira para megaeventos, como as Olimpíadas.

Formada em Comércio Exterior e Recursos Humanos, a gerente tem no currículo ainda dois mestrados, um em Liderança Esportiva pela Universidade de Washington (EUA) e outro no MEMOs, oferecido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).

Há quase 11 anos no comitê, o trabalho dela é garantir o deslocamento, a hospedagem e a infraestrutura necessários para que todos os atletas do país possam desempenhar com o máximo de suas capacidades em cada uma das competições.

"É uma área que não pode falhar", diz ela à Folha. "Não adianta ter uma cláusula em um contrato pagando R$ 1 milhão [de indenização] se um atleta não tiver a vara ou um time não tiver o uniforme para competir no momento mais importante da vida deles", acrescenta.

Por isso o planejamento dela é feito com grande antecedência. A menos de cinco meses para o início dos Jogos de Paris, Joyce se divide entre os preparativos finais para o megaevento na França enquanto já tem projetos em andamento para a Olimpíada de 2028, em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Na próxima semana, ela e sua equipe terão reuniões com consultores dos EUA para mapear locais em que a delegação brasileira poderá se hospedar. "É uma competição à parte entre os países", diz, ao falar sobre a concorrência pelas melhores acomodações.

Em geral, as maiores delegações têm prioridade nessas escolhas. Os Estados Unidos e a China costumam escolher seus locais primeiro. "Não existe um ranking formal, uma lista, é uma coisa informal, mas o Brasil está no top 5, eu diria", afirma Joyce.

O processo é conduzido pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), que costuma oferecer para cada um dos países um local de acordo com suas demandas esportivas. Se a primeira opção não atender o desejo de uma delegação, ela perde a sua prioridade na lista.

Atualmente o Brasil tem 164 vagas conquistadas para Paris, em 30 modalidades, sendo 102 femininas e 47 masculinas, além de outras 15 sem gênero definido (hipismo e revezamentos da natação).

Joyce está satisfeita com a posição do Brasil na Vila Olímpica de Paris, inaugurada oficialmente no final do mês passado pelo presidente francês Emmanuel Macron. No entanto, para que deixar o local perfeito de acordo com suas exigências, ela solicitou uma importante mudança no trajeto entre o prédio dormitório e o refeitório.

"Nosso prédio está na posição D. Todo mundo que está no D e no E teria que sair e dar uma volta de cerca de 400 metros para ir e 400 metros para voltar de cada ida ao refeitório. Considerando 6 ou 7 refeições por dia, estamos somando quase 3 km só de deslocamento. Para atletas de alto rendimento, faz diferença", ela explica. "Através de negociação com o Comitê Organizador, conseguimos uma passagem que permite um acesso direto ao refeitório."

Cada país também pode moldar sua estrutura de acordo com suas necessidades. Para o prédio do Brasil, o COB vai desembolsar cerca de R$ 300 mil para instalar ar-condicionado nos quartos de todos os atletas.

"Na França, eles propuseram a construção dos prédios com uma tecnologia de geotermia, que propõe a diminuição de 6 graus da temperatura externa para a interna. Olhando esse plano, a gente ficou um pouco preocupado, porque hoje a gente vê o verão com frequência, chegando a temperaturas de 36, às vezes 38, 39 graus", alerta Joyce.

"Essa redução de 6 graus não seria suficiente para o descanso dos atletas. Consultando os experts, a gente entende que a temperatura ideal para você ter uma boa noite de descanso, um sono profundo, é de 21 a 23 graus. Então o COB se comprometeu com essa solução", acrescenta.

Apesar da questão das temperaturas, a gerente entende que a aclimatação dos brasileiros em Paris será mais fácil em relação aos Jogos de Tóquio, quando, além do fuso horário, a pandemia de Covid-19 ainda assolava a população mundial.

No Japão, o Brasil teve sua maior delegação em uma edição dos Jogos disputada no exterior, com 303 atletas e 18 reservas. Foi a 12ª maior delegação presente no Japão. Com 613, os EUA levaram o maior número de competidores.

Para Joyce, que integrou pela primeira vez uma delegação brasileira nos Jogos Sul-americanos Santiago de 2014 e, desde então, esteve em 15 megaeventos, a Olimpíada em solo japonês foi a mais desafiadora. "No final, nosso maior orgulho foi que nenhum atleta pegou Covid."

Ela também teve um momento especial para guardar na memória ao representar a delegação brasileira no desfile de abertura dos Jogos de Tóquio ao lado de Bruninho, do vôlei, e da judoca Ketleyn Quadros, que foram os porta-bandeiras do país. "Fui escolhida para representar os bastidores, a equipe que trabalha por trás para fazer tudo acontecer", lembra.

A emoção, porém, foi a mesma de uma atleta, algo que ela sempre quis sentir. Antes de sua atual carreira, ela se dedicou tênis, esporte que lhe proporcionou uma bolsa para estudar nos EUA.

"Estar envolvida com o esporte me proporciona muita alegria, um reconhecimento interno, uma satisfação interna", finaliza.

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