Nada pode ser maior que Minas

Por

Teoria da fidelidade

Ailton Alves 28/01/2008

Nas arquibancadas de futebol - s? ali naquele espa?o - ningu?m abandona ningu?m. N?s, os torcedores, via de regra, n?o temos esse h?bito de ruptura. N?o sa?mos por a? trocando de time, vestindo outras camisas, exibindo outros amores (h?, ? verdade, rar?ssimas exce?es, que nunca s?o perdoadas - ou melhor, s?o se o dito cujo infiel passar a defender as nossas cores). Mas, o m?ximo que cometemos de ingratid?o em rela??o ao nosso time ? uma inj?ria, ? rogar uma bendita praga, fazer uma promessa que nunca ser? cumprida - ou seja: ter uma reca?da.

Da minha parte, s? uma ?nica vez, em quase um quarto de s?culo, tive esse tipo de sentimento. E, reconhe?o, foi um momento de insanidade, movido por gestos e atitudes igualmente insanas.

Deixei Juiz de Fora num s?bado de madrugada rumo a Itabira, via Belo Horizonte e Santa B?rbara, para ver o Tupi jogar no domingo ? tarde. Era um momento decisivo da Segunda Divis?o do Campeonato Mineiro de 2006. O Galo jogou muito mal, exibiu um complexo de inferioridade nunca visto. Derrotado pelo Valeriodoce, quase p?s tudo a perder. A volta para casa foi tamb?m bastante tortuosa. Um acidente paralisou o tr?nsito, estancou o ?nibus, que s? chegou ? cidade nos primeiros minutos da manh? de segunda-feira. Ali, parado em algum ponto de Minas, cansado, com frio, frustrado e principalmente influenciado por Drummond ("com 90% de amargura na alma") decidi: Tupi nunca mais. Felizmente, n?o levei tamanha bobagem adiante e no domingo seguinte estava no est?dio para "dar uma ?ltima chance ao time". O Galo jogou muito bem, venceu o Juventus e se recuperou gloriosamente de todas as perdas.

Tudo isso, essa mal esbo?ada teoria da fidelidade, vem a prop?sito do brado de guerra da torcida do Corinthians, surgido logo ap?s o clube ter sido rebaixado para a Segunda Divis?o do Campeonato Brasileiro: "Eu nunca vou te abandonar, porque eu te amo". Seria, ent?o, uma obviedade, n?o fosse dita por um torcedor que carrega, mais do que qualquer outro, um r?tulo mais que significativo: Fiel.

O corintiano - s? o corintiano - nunca se permitiu nenhuma reca?da. Ele, inclusive, gosta imensamente de outro apelido: sofredor. E realmente sofreu demais ao longo da hist?ria, principalmente durante os 23 anos sem a faixa de campe?o. N?o se importou e foi devidamente recompensado naquela noite m?gica de outubro de 1977, quando a bola cruzada na ?rea encontrou a perna esquerda de Vaguinho, que chutou na trave, depois a testa de Wladimir, que cabeceou no rosto do zagueiro da Ponte Preta, e por fim o p? direito de Bas?lio, que estufou as redes para acabar com o longo jejum.

Agora, com o Tim?o na S?rie B, vem a? mais um show de fidelidade. Desconfio que, quando os estaduais acabarem, quando o campeonato brasileiro come?ar, nada ser? mais interessante no mundo esportivo - nem mesmo as Olimp?adas de Pequim - que os jogos do Corinthians.

O time que, durante o campeonato paulista, est? se preparando para essa saga na segundona parece bastante razo?vel. Tem Felipe, o melhor goleiro do pa?s, dois zagueiros impec?veis - Willian, ex-Ipatinga e Chic?o, ex-Figueirense -, e o talentoso e jovem Lulinha. Mas isso pouco importa. No Corinthians, para del?rio da Fiel, as gl?rias s?o reservadas aos coadjuvantes: foi Paulo Borges - e n?o Rivelino - que acabou com o tabu de onze anos diante do Santos de Pel?; coube a Bas?lio - e n?o a Palhinha - o tiro de miseric?rdia no jejum de t?tulos; Tup?zinho - e n?o Neto - foi o respons?vel pelo primeiro t?tulo nacional, e, na ?poca da "Democracia Corintiana", com S?crates, Casagrande e Zenon em campo, quem fazia os gols decisivos era Biro-Biro.

Nessa nova fase do Tim?o os pap?is de her?is parecem reservados a Finazzi, com seu jeito de Forrest Gump, e principalmente a Acosta, com aquele seu aspecto de personagem dos filmes de Sam Peckinpah, um aparentemente decadente pistoleiro do entardecer. Tudo bem ao gosto do corintiano.

Ailton Alves ? jornalista e cronista esportivo
Saiba mais sobre Ailton, clicando aqui!

Sobre quais temas da ?rea de Esportes voc? quer ler nesta se??o? O jornalista e cronista esportivo Ailton Alves aguarda suas sugest?es no e-mail esporte@acessa.com