Em plena tempestade

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Em plena tempestade

Ailton Alves 01/12/2008

O personagem da rodada poderia ser Leandro Amaral, do Vasco. Com dois gols, ele deu esperan?as aos vasca?nos, que, apesar da situa??o ainda ruim, andam dizendo por a?, no melhor estilo da passion?ria Dolores Ibarruri: "N?o cair?s".

Ou Clodoaldo, do N?utico, que saiu do banco para fazer os dois gols da vit?ria do clube pernambucano sobre o Atl?tico/PR no m?tico Est?dio dos Aflitos.

Ou Paulo Baier, do Goi?s, que comandou a incr?vel rea??o do clube verde diante do Flamengo, no Maracan?.

Ou Marcel, do Gr?mio, autor tamb?m de dois gols na vit?ria sobre o Ipatinga que deixou os ga?chos vivos no campeonato.

Ou Tart?, do Fluminense, o garoto que infernizou a melhor defesa do campeonato e calou o Morumbi.

Ou Borges, do S?o Paulo, com aquele gol de canela que diminuiu a frustra??o dos s?o-paulinos, crentes que o tri viria sem muito esfor?o.

Mas n?o. Os personagens da rodada s?o os dois times de Santa Catarina (o estado submerso, como uma Atl?ntida moderna). O Ava? voltou, depois de d?cadas, ? Primeira Divis?o do futebol brasileiro e o Figueirense foi ao Rio de Janeiro, bateu o ap?tico Botafogo e deu esperan?as ? torcida de que, sim, ? poss?vel n?o ser rebaixado.

Subir de divis?o ou impedir a queda, no entanto, faz parte do futebol e acontece todo ano, todo final de campeonato. O que torna Ava? e Figueirense personagens da rodada ? que eles, diante das circunst?ncias, fizeram mais que isso: deram aos seus torcedores alegrias, mesmo que fugazes, num tempo dif?cil. ? como se fossem, neste momento, uma esp?cie de No?, chamando para a Arca, depois do dil?vio, aqueles que acreditam em bonan?a depois da tempestade.

N?o foi a primeira vez e nem ser? a ?ltima que o futebol cumpre esse papel, de ser algo quase maior que a vida.

Nessa honrosa categoria est?o os clubes bascos do Real Sociedad e do Atl?tico de Bilbao (que at? bem pouco tempo faziam de seus jogos uma extens?o das inten?es locais de separatismo), o Barcelona (que na ?poca do franquismo tinha a simpatia de toda a Espanha por ser o ?nico capaz de bater o Real Madrid, time de prefer?ncia do ditador Francisco Franco), a sele??o de 1954 da Alemanha (que devolveu a auto-estima aos alem?es, quando eles eram odiados pelo mundo inteiro por conta das conseq??ncias da Segunda Guerra) e o D?namo de Kiev - de longe o maior representante desse seleto grupo.

Durante a Segunda Guerra, na ocupa??o nazista da Ucr?nia, os jogadores do D?namo trabalhavam como escravos em uma f?brica de p?o. Nas horas vagas, batiam uma bola. Por cinco vezes foram desafiados pelo Ex?rcito alem?o e nas cinco oportunidades venceram de goleada. Viraram o ?nico motivo de orgulho e alegria para os ucranianos.

Na sexta partida, os nazistas, que tinham como lema a superioridade ariana tamb?m nos esportes, enxertaram a sua equipe com jogadores-militares do Flakelf, um time famoso da ?poca. N?o adiantou. No Intervalo da partida, o D?namo vencia por 2 a 1. Era demais. Os alem?es foram ao vesti?rio e exigiram que os advers?rios entregassem o jogo.

Ningu?m sabe dizer o que aconteceu naqueles quinze minutos de intervalo. S? imaginar o drama dos jogadores: perder a partida e decepcionar a torcida ou vencer e provocar a ira nazista.

Optou-se pela segunda alternativa, e pela morte. Os atletas fizeram mais dois gols e, dias depois, quatro deles foram fuzilados pela ousadia. Uma fa?anha. Os gols tiveram um sabor tr?gico e ao mesmo tempo glorioso. Venceram a partida para manter a alegria e o orgulho da cidade e do pa?s.

Obviamente os tempos s?o outros e nos dias de hoje a espetaculariza??o de acontecimentos banais diminui a dimens?o das coisas verdadeiras. Mas, mesmo assim, ? claro que a ascens?o do Ava? e a perman?ncia do Figueirense na primeira divis?o ter?o, nesse momento dif?cil dos catarinenses, um valor simb?lico que extrapola o futebol.

Ailton Alves ? jornalista e cronista esportivo
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