As Copas que ningu?m viu
As Copas que ninguém viu
Três meses antes de a Copa começar só oito países estavam confirmados: Argentina, Brasil, Suécia, Uruguai, Chile, Paraguai, Peru e Estados Unidos. Jules Rimet achou que era pouco, muito pouco, e empreendeu uma incansável pressão sobre alguns países europeus, forçando a presença. Portugal, Suíça, Espanha e Noruega cederam ao argumento de que o futebol poderia servir como uma poderosa propaganda antinazista e pelo fim da guerra, promovendo a fraternidade entre os povos.
A Argentina só declararia guerra ao Eixo em 1945, quando as batalhas praticamente já estariam cessadas e nos gramados a seleção vivia uma época de ouro, tendo como base o time do River Plate, não por acaso chamado de “La Máquina”.
O Brasil estava em uma entressafra, entre os times maravilhosos de 1938 e 1950.
O Uruguai vivia o mesmo processo brasileiro, saindo da geração campeão da década de 20 e preparando os vencedores de 1950.
No Chile, nacionalista ao extremo, governado pela esquerda, era comum ver nas ruas das principais cidades cartazes alertando para o perigo do totalitarismo. E o Peru condenava Hitler ao mesmo tempo em que invadia o Equador. No esporte, chilenos e peruanos – assim como os paraguaios – não tinham nenhuma chance e só participariam mesmo da Copa de 1942 devido à proximidade geográfica com o país sede.
Suécia e Noruega, subjugados por Hitler, mantinham heroicamente uma postura de resistência.
Curiosas seriam as motivações e a montagem do time norte-americano. Os Estados Unidos já tinham entrado na guerra, em dezembro do ano anterior, quando foram bombardeados pelos japoneses, e já haviam assumido ares de “donos do mundo”. Sendo assim, ficou definido que, por “questões de propaganda”, mandariam a Argentina um time também com haitianos, cubanos, canadenses e um craque de Trinidad e Tobago, negro e jovem como Pelé, que acabou sendo a sensação da Copa.
Os portugueses só atravessaram o Atlântico, depois de muita hesitação, porque tinham a promessa de que sediariam o evento de 1946 (a segunda Copa que ninguém viu, simplesmente porque nunca aconteceu).
A Suíça (um país por definição eterna neutro, desde 1680) e a Espanha (já governada por Franco, depois de uma sangrenta Guerra Civil) completavam o grupo de países que pensavam em bola quando o mundo vivia de bombas.
Participantes, tabela e regulamento definidos, no dia 4 de julho, um sábado relativamente quente para o inverno do Hemisfério Sul, a “máquina” argentina entrou em campo, no Monumental de Nuñez, diante de 60 mil pessoas, para aniquilar os paraguaios. O placar apontou 7 a 0, naquela que seria a partida inaugural de uma Copa mais espetacular que se teve notícia – se esse jogo, é claro, tivesse realmente acontecido.
No domingo, o Brasil também venceu, mas com tremenda dificuldade, o Peru, 2 a 1, com dois gols de Pedro Amorim.
Completando a primeira rodada, na Bombonera, o Uruguai, em seu primeiro jogo em copas após o triunfo de 1930, passou pela Espanha (3 a 1) e, no Estádio do Gasômetro, os envelhecidos e simpáticos suecos derrotaram o Chile (2 a 0).
Alguns jogos e até a composição de dois grupos não batiam com a programação inicial divulgada por Jules Rimet no princípio do mês, mas em nenhum momento foi questionada a lisura da competição ou a organização da Copa.
Tanto isso é verdade que nenhuma delegação questionou a ordem dos jogos e os adversários e nem se enganou de estádio.
Tudo foi creditado a um erro de informação, confirmando a famosa frase do primeiro-ministro inglês Winston Churchill, proferida naquela época: “Em uma guerra, a primeira vítima é a verdade”.
Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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