Muito antes de Pel?
Muito antes de Pelé
Soube-se depois, muito tempo depois, que ele se juntara ao time norte-americano por acaso. Assistia ao treino sentado em seu canto, quando uma bola espirrada veio em sua direção. Ele se levantou e fez embaixadas com a pelota até se cansar, antes de devolvê-la. Moore, o zagueiro e capitão inglês da equipe, vendo aquilo, convenceu os dirigentes a levá-lo para a Argentina, nem que fosse pelo controle de bola.
Que ele tinha mais talento que isso, se soube quando o camisa 10 do time (aquela era a primeira Copa com numeração nos uniformes) pegou a bola no meio de campo, driblou cinco adversários mas chutou para fora. Foi um lance muito rápido e provocou surpresa. Nada comparado, no entanto, às jogadas seguintes. Na primeiro, Houston novamente ignorou os marcadores e deu um passe precioso para o italiano Luciano Messora, que foi à linha de fundo e cruzou. A bola veio alta e um pouco antes do ponto em que Houston estava. Ele, num salto acrobático, acertou a pelota, do modo que se convencionou chamar de bicicleta, empatando o jogo.
O Monumental de Nuñez veio abaixo. E os torcedores ainda estavam em êxtase quando um outro cruzamento, vindo da esquerda, do iugoslavo Selic, encontrou Houston na marca do pênalti. O jogador matou a bola no peito, como nunca ninguém ousara fazer, e desmontou o goleiro com um leve toque. Os aplausos só cessaram quando o árbitro deu por encerrado o primeiro tempo.
Nesse mesmo dia histórico, em que o mundo do futebol conheceu o antecessor de Pelé, o Peru, campeão sul-americano de 1939, derrotou a Noruega (2 a 1) e o Chile fez 2 a 0 na seleção de Portugal.
A terceira rodada, aquela que definiria os semifinalistas, teria três jogos muito esperados, por razões diferentes: Argentina x Suíça, Brasil x Noruega e Uruguai x Estados Unidos.
A fama do menino de Trinidad e Tobago, o assunto da semana nos cafés de Buenos Aires, e mais a rivalidade entre os vizinhos da Bacia do Prata levaram muita gente ao estádio para o jogo entre uruguaios e norte-americanos.
E nesse dia, como tem acontecido por todo o sempre, o trabalho duro venceu o talento. Gambetta colou em Houston e não deixou ele jogar (exatamente como faria, no futuro, Vogtz com Cruyff e Gentile com Zico, para ficar apenas em dois exemplos, ocorridos em copas verdadeiras). O defensor uruguaio atuou com muito rigor, mas acima de tudo com lealdade e atenção, e só falhou em um lance. O bastante para que o atacante marcasse o seu gol. Mas, já era tarde: do outro lado a bola tinha estufado as redes quatro vezes.
O jogo entre Brasil e Noruega, no dia 11 de julho, no Bombonera, foi marcado por uma certa apreensão, por razões políticas. Um pouco antes de entrarem em campo, os nórdicos ficaram sabendo que, no dia anterior, o Exército Vermelho havia atacado bases nazistas na Noruega e na Finlândia. Os jogadores não sabiam de mais detalhes (se o ataque teria matado civis, por exemplo). Abalados, preocupados e ansiosos para o jogo e a Copa acabarem, para que eles pudessem retornar à terra natal, foram presas fáceis para os brasileiros.
No confronto entre os anfitriões e os suíços, a expectativa era por outra atuação de gala do fabuloso time da Argentina. La Máquina, como era de se esperar, não teve nenhuma dificuldade para ganhar de 6 a 1.
Com os resultados, estavam definidas as semifinais.
Argentina e Uruguai fariam aquilo que se convencionou chamar de "final antecipada".
Antes desse jogo, o Brasil, jogando de camisas brancas (a amarelinha só seria adotada na década de 50) garantiu lugar na decisão ao bater a Suécia por 4 a 1, com três gols de Sílvio Pirillo.
Muito tempo depois, Pirillo prestou outro grande favor ao futebol brasileiro. Foi ele o primeiro técnico a convocar Pelé para a seleção.
Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
Saiba mais clicando aqui.