Ora-pro-n?bis

Por

Ailton Alves 25/1/2010

Ora-pro-nóbis

Foi por conta de uma desobediência que conhecemos o ora-pro-nóbis. Nos tempos coloniais, as igrejas de Minas – ricas em ouro – eram cercadas pelo vegetal, mas os padres não deixavam que fossem colhidas. Restava às donas de casa esperar a longa oração do “Orai por nós” (quando o sacerdote ficava de costas, rezando em latim) para apanhar as folhas e garantir o almoço.

Não sei porque conto essa história, torrando a paciência dos meus parcos leitores...Ou, melhor, sei: foi nela que pensei enquanto assistia à estreia do Tupi no Campeonato Mineiro de futebol. O ora-pro-nóbis é um sabor inigualável de Minas, assim como o nosso torneio é insuperável no Brasil. Os cariocas (dominados pela cegueira), os paulistas (com a sua soberba) e os gaúchos (tomados por um admirável orgulho) nunca vão entender e aceitar, mas o certame de Minas é o tal. A bola que rola por aqui (às margens da Pampulha, do Rio Doce, das águas cristalinas do Sul, no triângulo, na secura do Norte, nas terras de um juiz de fora e na região das vilas novas de Minas – onde, aliás, o ora-pro-nóbis é mais valorizado) não tem paralelos.

Mas...Antes de o campeonato começar, nós, os Carijós, pensávamos no outro sentido da palavra, de que realmente precisaríamos que alguém orasse por nós, por um bom desempenho no torneio. Tínhamos 28 jogadores no elenco, 12 totalmente desconhecidos, e nenhum time para chamar de nosso. O técnico Leonardo Condé, um menino de 31 anos, incentivava ao máximo essas dúvidas ao não anunciar quais seriam os titulares. Os péssimos resultados dos jogos preparatórios (1 a 4 Tigres, 1 a 2 seleção de Cataguases e 0 a 0 Pombense) elevaram a angústia a um grau quase insuportável.

Jamais, em tempo algum, houve uma ansiedade tão grande pelo anúncio do time titular, vindo das ondas do rádio ou dos alto-faltantes do estádio. Veio e serenou os ânimos. Ficamos sabendo que a aposta era em um passado recente (com o retorno do goleiro Eládio, do lateral-direito Henrique e dos meias Leo Salino e Gedeon - todos com recentes e boas passagens por Santa Terezinha, antes de correr mundo), na manutenção dos “Carijós desde criancinha” Marcelinho e Michel e na experiência de Fabrício Soares e Ademilson. Novidades mesmo só a dupla de promessas das categorias de base do Atlético Mineiro, Denílson e Chiquinho, e Robson, o artilheiro vindo de Campos dos Goytacazes.

Do outro lado, havia um fantasma de nome Ipatinga (de uma região de Minas em tudo diferente da nossa). Uma equipe para todo o sempre um espectro negativo, embora já seja, agora, três vitórias consecutivas sobre um algoz de um passado que vai ficando para trás.

E foi por conta de uma desobediência que vencemos essa primeira batalha do campeonato. A bola estava perdida e cabia a Michel recuar, abandonar aquela tentativa. Mas não. Ele não fez isso. Insistiu e travou o adversário. Na sequência da jogada, Ademilson fez o que tinha que fazer e decretou o triunfo.

Com esta jogada, mistura de garra, sorte e talento, faltam 16 jogos e 105 dias para o Tupi ser campeão mineiro.



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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