Sobre rel?mpagos e solidão

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Ailton Alves 22/2/2010

Sobre relâmpagos e solidão

Nesta altura do futebol e da vida o torcedor Carijó tem todo o direito do mundo de pensar grande. Portanto, não passou pela cabeça de ninguém que o Tupi pudesse ter qualquer dificuldade com o Ituiutaba, lanterna do campeonato, um mísero ponto conquistado em quatro rodadas. Era chegar ao Mário Helênio, olhar pela última vez para o tempo marcado pelo horário brasileiro de verão e esperar a goleada, talvez na mesma proporção daquela aplicada na Caldense.

No entanto, essa perspectiva de uma vitória fácil, tão anunciada quanto à mudança no relógio, começou a incomodar, pois sabemos todos que não são assim as coisas. Nada vem de graça, nem o pão nem a cachaça.

Pensava nisso, de que nada pode cair do céu (a não ser o fubá nos tempos egípcios e chuva nos dias atuais), quando a torcida do Ituiutaba chegou ao estádio. Era, relativamente, muita gente, levando em conta a distância e a posição da equipe na tabela. A chegada dos visitantes serviu para ganharmos um pingo de preocupação: se há gente capaz de se deslocar mais de mil quilômetros para ver o time é porque ele merece esse voto de confiança - mesmo sabendo que uma vitória do Ituiutaba seria como um relâmpago na tarde de sol forte.

Sei que isso interessa a ninguém mas não gosto de relâmpagos. Herança da minha avó materna. Era uma mulher muito corajosa, desconjurava os possíveis fantasmas da Galileia, matava aranhas e baratas, ia, noite alta, atrás das cobras que ameaçavam as galinhas, mas morria de medo dos relâmpagos que precediam ou acompanhavam as chuvas.

Mas, o jogo começou e não havia decorridos nem mesmo dois minutos quando a bola cruzada da direita por Henrique encontrou a cabeça de Ademilson, o artilheiro do campeonato, e daí as redes, num raro gol relâmpago.

Interessa a ninguém, sei disso, mas não gosto de gols relâmpagos. Vamos a um jogo para ver 90 minutos de tentativas e emoções, não é legal tê-las tão fáceis. É tão danoso como a afoiteza nas coisas do amor.

Pior para os torcedores do Ituiutaba, que viram a esperança diminuir tão cedo, absurdamente desproporcional ao tempo que levaram para chegar aqui. Bom para os Carijós, que não pararam ai. Robson fez mais um gol e Henrique o terceiro.

A jornada estaria, então, encerrada, se não fosse pelo infortúnio do árbitro, mil vezes maior do que o da torcida do Ituiutaba. Se os adeptos do time do Pontal do Triângulo sofriam aos pares, encostados no canto da arquibancada onde o sol não chega, o árbitro teve que se virar sozinho.

Nós, os torcedores, não gostamos dos árbitros – achamos que são todos “ladrões” ou “mal intencionados” - mas foi impossível não se deixar penalizar pela solidão do juiz. Alício Penna Júnior é um excelente apitador de futebol, um dos melhores e mais dignos do país, com muitas histórias para contar, boas e más (como é do destino de quem escolhe essa ingrata profissão), mas acredito que nunca tenha tido essa sensação de que estava absolutamente sozinho para conduzir um jogo.

Percebido o seu drama pessoal, de que não poderia mesmo contar com seus auxiliares (principalmente com a bandeirinha que corria freneticamente pelo lado das cabines de rádio), Alício passou a agir como um cavaleiro solitário dos faroestes antigos, desses que nunca mais veremos no cinema. Tomou para si as rédeas da partida, assumindo todos os possíveis acertos e erros.

Acertou quase tudo e saiu de campo com a admiração de alguns torcedores. Não porque acertou e sim porque nunca admitimos que os árbitros de futebol também podem sofrer de solidão. Achávamos, nós, que isso, no esporte bretão, era prerrogativa exclusiva dos goleiros.



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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