Onde os jogos não acabam

Por

Ailton Alves 15/3/2010

Onde os jogos não acabam

Para quem, nesta vida, se interessa muito por futebol, com prazer ou por profissão, não havia outra coisa a fazer, segunda ou terça-feira próximas passadas, senão tomar o caminho de Teófilo Otoni, cidade quente e longe do Vale do Mucuri, Norte das Gerais. Seria realizado lá, na última quarta-feira, o resto de uma partida que não acabou, entre o América local e o Atlético da capital de todos os mineiros.

Sabemos todos - ou pelo menos aqueles que já dobraram o Cabo da Boa Esperança e principalmente o das Tormentas - o quanto é danoso não terminar as coisas, quando algo fica pendente, nos angustiando, sem a possibilidade de levar adiante e muito menos de dar o tiro de misericórdia. Vira, em muitos casos, uma obsessão, não perigosa mas que nos marca, nos tira o sono e a paz de espírito.

No caso da partida citada, talvez muito mais. O América de Teófilo Otoni nunca havia disputado a Primeira Divisão do futebol das Gerais. Vivia por lá, como se o Norte fosse um exílio futebolístico, só olhando os conterrâneos estaduais correrem atrás da bola e do título. Jamais em tempo algum os americanos de lá enfrentaram os grandes ou qualquer time médio ou pequeno de cá valendo pontos na tabela da Federação Mineira.

Esse dia, o de enfrentar um grande do Estado (no caso o Atlético de BH), pelo campeonato, chegou e teve, de acordo com o noticiário, a mesma carga solene de quando chegou o Dia de São Valentim, conforme dito, na pena de Shakespeare, por Henrique V. Mas, azar dos maiores, o jogo não acabou, por conta de uma rara (para as bandas de lá) chuva torrencial.

E para piorar as coisas, aumentar o estado de angústia, o Atlético não compareceu na quarta-feira para por fim à partida.

Não há, repito, caro e raro leitor, coisa pior do que algo que não acaba e, no caso, que ameaça recomeçar e não recomeça.

Nesse cenário, de frustração coletiva, chegou a Teófilo Otoni o Tupi Futebol Clube. Foi lá, o nosso Galo, continuar sua espetacular campanha no torneio. Foi para ganhar e ganhou, com um golaço de Chiquinho (o herói que virou vilão depois, com a expulsão) e uma atuação impecável do goleiro Eládio (o vilão da partida em Governador Valadares que virou herói).

Ganhou o Tupi, pela segunda vez seguida no campeonato, mas continuou em quarto lugar no certame, porque os outros também ganharam. Estranho esse mundo: fazer tudo certo, bem, imprimir paixão e dor em cada passo e não ganhar prêmio nenhum por isso. Como disse o personagem de “Bird” (não o do filme de Clint Eastwood sobre Charlie Parker e sim o esquizofrênico da obra de Alan Parker): “Estamos cansados de não sermos reconhecidos. Em qualquer outra guerra seríamos heróis”.

Mas, cinema à parte, o campeonato mineiro de futebol, a apenas duas rodadas do fim da primeira fase, está em aberto, ainda não acabou.

Não há, caro e raro leitor, coisa melhor do que algo que ainda não acabou, que ameaça recomeçar a qualquer momento.



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo 
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