Virei pai, MAS não brinquei de boneca
Virei pai, MAS não brinquei de boneca
Que instinto é esse ao qual se referem? E pelo visto o pai, coitado, nunca experimentou desse instinto que ficou "prestigiosamente" no colo das mulheres! Eles viram pai por opção, e lhes cabem o papel de ajudante, de aprendiz, de alguém que virou pai. Afinal, eles não têm instinto, nunca souberam o que é esse negócio de paternidade, em troca, nós, cromossomos XX, já nascemos preparadas e ávidas por este sonho. Que ideologia mais desproporcional, oportunista, bandida, mascarada, manipuladora, ausente de igualdade e de respeito com o potencial humano de cada mãe e de cada pai.
Não é porque a mulher, NA TEORIA, sabe pegar um bebê, sabe trocar fralda, sabe dar banho, sabe ninar, que ela nasceu preparada para ser mãe, NÃO! Ela age assim porque ela BRINCOU e muito com as suas BONECAS!! Sim, ao menos ela teve esse primeiro contato de cuidar de alguém menor que ela e que "precisava" dela. Já aos homens foi tirado deles esta ENORME E FUNDAMENTAL possibilidade. Meninos NÃO brincam de bonecas e ponto final. Realmente, são criados para serem cuidados enquanto engrossam a voz brincando de agressividade, de competir, de ser inteligente, de ser forte.
E AÍ???
Quando é NEGADO ao menino a possibilidade de criar toda uma brincadeira em torno de uma boneca (o), está sendo RETIRADO dele a chance de construir um contato próximo com "alguém", de se "enxergar" através deste alguém, de ser acolhido por este "alguém", de construir uma confiança em si por "saber" cuidar deste "alguém", de sentir uma verdadeira emoção, seja de afeto ou de raiva na relação com o seu boneco (a), e principalmente, de começar a construir uma percepção de naturalidade em ter uma presença, mesmo que simbólica, em sua vida. Uma presença com quem ele possa ser ele mesmo dentro da sua euforia, alegria, tristeza e fúria. Enfim, em que ele possa ser também INSTINTO.
TUDO isso deste, agora, PAI, foi RETIRADO.
Ele tinha que brincar de tudo que não fizesse ele chorar, se emocionar, se fragilizar.
Enquanto isso, nós brincávamos de ser miúdas "mamães", porque era essa a brincadeira com cara de menina. Então começamos a ser estimuladas, adaptadas, padronizadas a esta realidade. Quanta tristeza e vergonha da nossa cultura que negligenciou e segue negligenciando a capacidade, a dimensão celestial de uma criança.
Pais e Mães foram construídos assim.
Uma infância cheia de "mãe" para as meninas e absolutamente ausente de "pai" para os meninos.
E quando chegamos diante do nascimento de um filho, a mulher que acaba de parir e vira mãe assume o "comando" (não sei de quê) e o homem descansa na posição de aprendiz. É tão injusto para ambos esta teoria, por si só, tão conflitiva, tão sem empatia, tão cheia de cobranças e responsabilidades "implícitas".
Aí, a teoria da ignorância do sistema formativo de gênero escancara os dentes e afirma: esta mulher realizou um sonho e tem sorte que o marido ainda AJUDA! É, definitivamente, para sumir.
A mulher vira heroína da própria ignorância coletiva e o pai, BOM, vamos ter paciência com ele, afinal tem que negociar a paternidade com o trabalho, com a demanda do capital... enfim, na verdade, tem que negociar com a dificuldade de estar diante da sua condição de humano por primeira vez.
(Mais uma vez, foi RETIRADO isso dele lá atrás.)
O homem que virou PAI tem as mesmas condições que a mulher que virou MÃE. AS MESMAS. A única diferença é que para esse pai pode ser a primeira vez que tenha em braços uma "presença". E que seja também a primeira vez que ele comece a perceber o quanto é delicioso abraçar afeto e a se emocionar.
Também pode ser a primeira vez que ele lamente por não ter brincado com uma única boneca.
Com afeto,
Até a próxima.
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Raquel Marcato, mãe da Marta de 4 anos, blogueira do portal mamaesavessas.com, escritora, questionadora por essência, ativista pelo autoconhecimento e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona.