Um dia convivi com o câncer

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Um dia convivi com o c?ncer
Raquel Marcato 5/08/2015

Um dia convivi com o câncer

Eu tive um câncer e hoje priorizei falar sobre isso. Bom, não exatamente sobre as questões "técnicas" da doença, pois de importância tem bem pouca, mas as questões humanas que vieram com esta vivência. Na época tinha meus 28 anos, com meu corpinho "violão" e vivendo no automático, sem saber quem era a Raquel. Naquela época eu não me perguntava muitas coisas, já tinha um "esquemão" de vida meio pronto: crescer, estudar, passar no vestibular e ser alguém!

Aí, a vida me parou, me fez parar para pensar, ou melhor, me fez parar para mergulhar para dentro. Realmente estava tão vazia de mim mesma, tão longe da minha Raquel.

Meu corpo foi tão manipulado, tão aberto e fechado, tão costurado. Remendas ficaram e o "violão" ganhou nova identidade. Este labirinto costurado que ficou, de bonito tem pouco, por vezes, ainda busco a parte minha que foi retalhada. Mas, já se foi... ficou o seu lugar vazio, deformado na aparência.

Essa dor é muito fervilhante dentro de quem sente. A aceitação do novo é uma grande elaboração dentro de si. De um lado, ainda tenho a vida e do outro a vida sem contornos! A estética é futilidade? Cuidado.... a autoestima é ainda a nossa melhor companhia em vida!

Mas, hoje, depois de 9 anos, isso pesa bem menos, não superei, mas me adaptei.
Devido ao tratamento, tinha a possibilidade deu não poder engravidar. Na época me assustei, mas passou.

Não dei importância, era apenas uma possibilidade.

Durante tudo isso comecei a VIVER MAIS. Comecei a TER FOME DE VIDA. Comecei a ter necessidade de TOCAR NO OUTRO. Comecei realmente a FAZER DIFERENÇA na vida do outro. Entendi que minha presença aqui ainda era importante para difundir alguma mensagem. Que tudo começava ali. Comecei a me sentir forte, corajosa, em liberdade. A Raquel começou a crescer dentro de mim e a me olhar com caridade. Ela soube me esperar, no fundo sabia que eu venceria, eu apenas precisava sentir o medo de não conhecê-la para reencontrá-la.

Este encontro vem acontecendo até hoje. Elas se diluíram, a antiga com a nova. Eu expandi, dei um grande passo, cavalguei no deserto, senti sede, mas venci. Venci eu mesma, aliás, venho vencendo. Venho entendendo que a "cura" mora dentro, não fora de nós. Em prol desta cura me tornei ativista pelo autoconhecimento. O universo se encontra dentro do nosso Ser. As respostas estão todas aqui.

E dentro desta nova Raquel nasceu a cativante Marta. Filha do possível, filha da esperança, filha da continuação. Ela veio para os meus braços, para os meus cuidados, para a minha estória marcada pelo antes e depois.

Veio no momento certo, no momento em que meu útero estava renovado de vida para acomodá-la.
De lá para cá, a nossa relação vem se mostrando muito intensa. Não poderia ser diferente. É muito olho no olho, é muito toque com conteúdo, é muito aprender dentro da possibilidade de cada uma. Na minha presença ela colhe consciência, percepção de si, amor por ser quem ela é. Do jeitinho dela. Mergulhamos juntas para dentro e para fora. Desenhamos muito dentro de nós e rabiscamos muito quando a raiva de ambas se choca!

Sinto-me a melhor mãe que posso ser para ela. Erro muito, sempre. Mas o meu olhar para dentro é tão comprometido que me sinto em evolução constante mesmo quando a atitude não acompanha a consciência. Um dia ela acaba acompanhando.

Minha missão está sendo vivida. O câncer me abriu para a vida, me deu muita voz própria dentro de mim e, agora, dentro da minha maternidade. Vem me proporcionando o vasto conteúdo reflexivo que se encontra no MAMAESAVESSAS.COM

É um blog, um portal, um site, mais um .com? Algo assim, porém e principalmente um caminho AVESSO à ausência de percepção de si. A essência deste trabalho é libertar a voz contida nesta mãe que busca entender, viver, contornar o "esquemão" da maternidade.
Vamos lá:

Esquemão da Maternidade = conhecer o príncipe encantado, parir menino ou menina, quarto rosa ou azul, leite com maizena e danoninho de sobremesa, creche deste cedo para ser educado, escrever o nome com cinco anos, informática, inglês, alemão, escolas conteudistas, bons amigos com pedigree, vestibular e, por fim, ser alguém!

Isso não existe meninas, mulheres, mães! Canalizo a minha força para gerar voz própria dentro da sua maternidade.

Somos alguém desde que começamos a crescer dentro do útero de uma mulher. Não educamos uma criança para ser alguém tão longe do agora. Não há vida nisso.

Precisamos lutar pelos nossos filhos, eles só precisam ter a oportunidade e orientação adequada para se conhecerem. Isso fará uma diferença qualitativa na caminhada deles e só assim eles encontrarão um sentido em suas vidas. Saberão o que querem, de que forma e por quê. Saberão o cristal que leva dentro de si. A sua luz especial. Serão conscientes dela e lutarão por ela.

Eles não merecem viver no piloto automático, é alienante este processo sem força nutritiva e curativa.
Quando olho para minha filha, depois de toda a minha vivência, o meu norte é educá-la dentro de si, olhando para si, sem se perder da sua Marta.

Se eu conseguir isso, minha missão estará cumprida nesta terra de Deus e tanto minha também.

Com afeto,
Até a próxima.


Raquel Marcato, mãe da Marta de 4 anos, blogueira do portal mamaesavessas.com, escritora, questionadora por essência, ativista pelo autoconhecimento e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona.