Um trocador de fraldas sem resposta

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Um trocador de fraldas sem resposta
 Raquel Marcato 28/10/2015

Um trocador de fraldas sem resposta

No bar da esquina, uma ida ao banheiro e a pergunta: “Mami, por que só tem trocador de fraldas nos banheiros das mulheres já que os pais também trocam fraldas?”
Foi um momento marcante para mim, me emocionei.

Fiquei degustando a riqueza da sua observação enquanto a minha lucidez não encontrava acalento que me convencesse de uma resposta que fosse tão digna quanto à pergunta.

E naquele momento, mais uma vez, repeti para mim mesma: ainda hoje os banheiros masculinos são apenas banheiros de homens!  A paternidade não existe ali dentro, não há um mínimo de indício. Tudo ainda acontece no banheiro do lado.

Sou consciente que mudanças estão acontecendo, porém é chocante se deparar ainda com esta realidade.
Estou certa que não é só a minha filha que me surpreende, em vários momentos, com um saber infantil tão maduro para uma percepção de uma criança, estou certa disso. As crianças de hoje estão pedindo mudança, elas estão abrindo novos caminhos de forma assertiva, infantil, natural.

Mas, e a educação atual está tendo a capacidade e interesse de gerar profundas mudanças psicossociais?
A questão de gênero é assunto de família, de escola, do governo, da religião, da miséria humana, da indústria, ENFIM, de todos nós.

Ontem, enquanto estava na escola de Marta via grupinhos de meninos brincando com carrinhos e grupinhos de meninas brincando de bonecas!

Até quando vamos sustentar este ensino dirigido?

Um ensino que vem de casa, da escola, da rua, enfim, das relações.
Não se sabe onde começa e onde termina, se é que termina.

Estamos sendo, a todo momento, pré-dirigidos dentro das categorias que compete ser uma menina e ser um menino. Elas são rígidas. E quando uma criança “cruza” a fronteira chama atenção! E uma quantidade de opiniões recaem sobre ela. E isso nos dá medo, ainda não sabemos como lidar com a autenticidade que nos liberta das categorias.

Não estamos convivendo com crianças, mas sim, com crianças meninas e com crianças meninos.

É do início que conseguimos mudar uma concepção. É na infância que precisamos atuar. Vamos questionar a rigidez que trazemos dentro de nós por ser menina ou menino.  Questione-se, sinta o que dói dentro de você por viver em uma sociedade ainda tão desigual. Muitas vezes arde na essência ser uma mulher, como também acredito que deve pesar muito ser um homem.

Uma criança nasce totalmente expandida e nós vamos modulando-a até que a sua respiração comece a ter ritmos determinados e esperados. O que estamos fazendo por um ser humano?

Sei que agiram assim conosco,... e, muitas vezes, não sabemos como mudar, ou não sabemos que PODEMOS MUDAR.  Por isso precisamos nos silenciar e escutar onde chora dentro de nós. Onde ser mulher e ser homem nos provoca dor, raiva, injustiça, vitimismo, misericórdia, e, por fim, compaixão.  Somos o registro de um discurso doutrinário, mas ainda totalmente capazes de fornecer a uma criança um discurso mais igualitário.

Quando ouvimos uma reivindicação sobre a igualdade de gênero vindo de uma criança é verdadeiramente um momento de graça divina, de esperança, de ajoelhar-se e de ter fé.

Como a escola do seu filho vem contribuindo para que a questão de gênero  ganhe um olhar mais humanizado e emancipador? Pergunte, sugira, questione, plante a oportunidade entre todos.

Em casa, como dialogamos com as funções que supostamente são esperadas de uma mãe e de um pai? Que discurso estamos reforçando com os nossos filhos?

No consumo, ainda seguimos alimentando a linha “comportamental” de produtos só para meninas? Somo fiéis e submissos a elas ou nos atrevemos a, ao menos, olhar o que a linha para meninos também pode oferecer numa brincadeira de crianças meninas (e vice-versa)?

Nas relações incentivamos que nossos filhos se misturem mais?  Ou o clube da Luluzinha e do Joãozinho ainda é o que faz sentido?

A pergunta pela qual fui submetida em um sábado pela manhã ainda segue em minha cabeça. E eu me pergunto quais condições lhe estou dando para que a sua pergunta não seja encarada como algo descabido, por mais que na maioria dos banheiros masculino não haja um mísero trocador de fraldas e por mais que as evidências sociais ainda sejam favoráveis à desigualdade de gênero.

Uma criança de cinco anos está aguardando uma resposta... de todos nós.

Com afeto,

Até a próxima.


Raquel Marcato, mãe da Marta de 4 anos, blogueira do portal mamaesavessas.com, escritora, questionadora por essência, ativista pelo autoconhecimento e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona.