Esse papo seu está qualquer coisa
Esse papo seu tá qualquer coisa
Mania boba as pessoas têm de pensar que sabem o que o parceiro vai querer, vai gostar, vai gozar. Que petulância, nem ao menos prestar atenção no que o parceiro sinaliza. Nos gemidos, nos suspiros, nas negativas. Perguntar então, tá fora de questão. Investir um tempinho a mais, olhar, ouvir, sentir. Não, basta ler nas revistas, ver nos filmes pornográficos, ouvir na roda de amigos, aplicar e pronto. E se no sexo é assim, imaginem então no contexto do que chamamos de amor.
Às vezes me pego com uma vontade de ser daquelas mães antigas, que davam chineladas e beliscões na turminha que insistia em não entender a ordem do dia.
Vontade de sacudir as cabecinhas, abri-las ao meio e colocar lá dentro a seguinte ordem. Vá trabalhar em favor da sua felicidade. Vá se fazer bonita, sensata, coerente, gostosa, dengosa, sábia, boa companhia, enfim. Acorda e busca dentro de você, no seu manancial de qualidades, a mulher que passa dias, anos esperando que um homem, tão infeliz quanto ela a coloque no pedestal da mulher perfeita.
Não sou muito chegada a dramas, e acho feio comportamentos que denotam a vitimização. A impressão que tenho é que as pessoas estão se especializando em serem assim. Dramáticas e vitimizadas. Coisa feia e antiga. Não tenho indulgência suficiente para entender o não cuidar-se e o culpar a outro pelas frustrações nossas de cada dia.
Não me desce na garganta, mesmo tendo alguma capacidade em entender o ser humano, mesmo com todo estudo acerca dos estados lastimáveis, não consigo aceitar os injustos desfechos que deles brotam. Tenho visto pessoas boas sofrerem os efeitos desses dramas ensaiados. Pessoas de bom coração, presas, envolvidas, se sentindo culpadas pela infelicidade do incapaz em se fazer feliz. Pessoas boas, reféns de parasitas de toda ordem.
No canteiro do amor romântico, tenho visto de tudo sendo nominado de amor. Interesse é amor. Falta de dinheiro, é amor. Projeto de ascensão na vida, é amor. Solidão é amor. Incapacidade de gerir a própria existência, é amor. Tesão é amor. Quantas dessas coisas poderíamos resolver sozinhos, sem incomodar, sem usurpar, sem ferir. Isto não é honesto e poucos se dispõe "arregaçar as mangas" pela própria vida.
Buscar no outro o sentido da própria existência é algo pra lá de Marrakesh. Esse papo seu, ta qualquer coisa...
Agora, o outro lado da moeda é mais difícil ainda de entender. Céus, como existem pessoas que precisam de verdade, que se alimentam vorazmente, das necessidades dos outros para se sentirem importantes.
Os dois precisam urgente de cuidados, de esclarecimento, de discernimento, de algo que faça entender que a base da felicidade não está lá fora, não está no outro. Que mania horrível, nós seres humanos temos, em pensar que não vivemos bem sozinhos e somos imprescindíveis na vida de outra pessoa.
Cegueira. É isso, só pode ser. Nosso olho deveria funcionar tanto para fora, quanto para dentro. Que beleza seria isto. Primeiro eu, depois o outro. Primeiro eu e depois, nós dois.
Saber o que é preciso para ser feliz facilitaria muito o caminho para fazer alguém feliz.
Que delícia ter alguém, além de nós.
Além de nós.
O amor imaturo diz: eu te amo porque preciso de ti.
O amor maduro diz: eu preciso de ti porque te amo. - Erich Fromm
Jussara Hadadd é filósofa clínica, psicoterapeuta, especialista em sexualidade feminina, escritora, palestrante.
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