Novo ataque contra alvos russos leva pânico a moradores da Crimeia

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um novo ataque a alvos russos na Crimeia, anexada por Moscou em 2014 após a derrubada do governo pró-Kremlin da Ucrânia, levou pânico aos moradores da península.

Desta vez, diferentemente do que ocorreu após uma base aérea ter sido atingida na semana passada, a Rússia não disse que foi um acidente: o Ministério da Defesa acusou sabotadores de estarem por trás de uma série de explosões que atingiram um grande depósito de munição, danificando linhas de trem e de energia.

A admissão é rara e reflete o sentimento de pânico que tem tomado moradores da Crimeia desde que a Guerra da Ucrânia, travada nas suas fronteiras, deixou de ser um tema dos distorcidos noticiários da TV estatal russa.

O ataque desta terça (16) ocorreu perto de Djankoi, no norte da península, perto da região ocupada pelos russos no sul da Ucrânia, objeto de um ensaio de ofensiva por parte de Kiev há algumas semanas. Imagens de TV mostraram uma central elétrica em chamas e vários pontos de incêndio.

Uma vila próxima do depósito destruído teve 2.000 moradores retirados de casa, e houve ao menos dois feridos. Os serviços ferroviários no norte da região foram suspensos temporariamente. Segundo a imprensa russa, houve também um ataque com drones ao aeródromo militar de Gvardeisie, perto da capital crimeia, Simferopol.

"Eu sou russo e quero que a Crimeia continue russa. Mas estou com medo pelo futuro", afirmou o corretor de imóveis Iuri Stepanov, por mensagem eletrônica. Ele mora em Ialta, no sul da península, bem distante da ação, mas já enviou sua mulher e filha para Rostov-do-Don, no sul russo.

"Temos parentes lá, quero ver como a situação vai ficar." Em Sebastopol, principal cidade crimeia e sede da Frota do Mar Negro, a sensação é semelhante. Olga, uma ucraniana étnica que preferiu ficar após a anexação mas pede para não ter o sobrenome divulgado, também relata uma tensão que antes não havia no ar.

Segundo ela, tudo mudou quando a sede da frota foi atacada por um drone operado por ucranianos, há duas semanas. "As pessoas ainda têm o afundamento do Moskva na cabeça, mas agora o medo é que a guerra esteja entre nós", afirmou ela, em referência à nau-capitânia da frota, que foi a pique em abril num aparente ataque de mísseis de Kiev.

A Rússia não admitiu isso, falando em um acidente. O mesmo ocorreu na semana passada, quando pelo menos oito de seus aviões foram explodidos na pista da base aérea de Saki, ao lado de populares praias onde os russos veraneiam.

Imagens de russos correndo ao ver as explosões povoaram redes sociais, danificando ainda mais o já precário turismo na região: desde fevereiro, todos os aeroportos do sul russo e da Crimeia estão fechados para voos civis, obrigando longas viagens de trem e de automóvel.

Na segunda (15), houve o recorde de utilização da ponte que liga a península à Rússia, inaugurada por Putin com grande fanfarra em 2018: 32,3 mil carros a atravessaram rumo à região de Krasnodar. Em Simferopol, filas se formaram nesta terça junto à estação de trem da cidade.

Segundo Olga, que é casada e tem dois filhos, uma fuga para a Rússia não é opção viável, mas também não pode tentar ir à Ucrânia. "Minha família está em Kiev, e para lá eu não posso ir, sou considerada uma traidora", disse. "Espero que tudo acabe bem."

A admissão russa pode elevar o tom de retaliação, já que é território considerado de Moscou que está sob ataque. Também na semana passada, houve explosões misteriosas em uma base usada pelos russos para ataques contra a Ucrânia na aliada Belarus.

Como sempre, Kiev não admite as ações, mas sugestões óbvias de autoria. O presidente Volodimir Zelenski já disse que o conflito atual só acaba com a devolução da Crimeia, o que parece militarmente impossível. "A manhã perto de Djankoi começou com explosões. Desmilitarização em ação", escreveu o assessor presidencial Mikhailo Podoliak no Twitter.

É uma ironia. Desmilitarização é um dos itens usados por Vladimir Putin na sua justificativa da guerra, que chama de "operação militar especial". Em 2014, sem dar um tiro, o russo anexou a Crimeia depois de um plebiscito local, denunciado em fóruns internacionais como fraudulento.

Legalmente não há reconhecimento da ONU da anexação, mas, diferentemente da situação no Donbass, o leste ucraniano objeto de guerra civil a partir daquele mesmo ano, na Crimeia o sentimento em favor da Rússia sempre foi forte: a região em si foi dada de presente pela liderança soviética à Ucrânia em 1954, sendo historicamente russa.

A península foi anexada em duas partes: a República da Crimeia, com 1,9 milhão de habitantes, e a cidade federal de Sebastopol, com 515 mil moradores.