Novas crises de refugiados atingem Europa e dão força à ultradireita na Itália

Por MICHELE OLIVEIRA

MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Quando as eleições italianas foram antecipadas para 25 de setembro, após a queda inesperada do governo Mario Draghi, poucos se deram conta de que o período eleitoral pudesse coincidir com o auge de uma velha crise que atinge a Itália nesta época de águas quentes -o desembarque de imigrantes que chegam pelo mar Mediterrâneo.

Para muitos, o assunto parecia superado como tema de campanha diante de índices negativos na economia, como a inflação de 8,4% em agosto, a maior em 37 anos. Mas, para a coligação de direita, que lidera as pesquisas de intenção de voto, as cenas das últimas semanas, de postos de acolhimento lotados, encaixam-se bem com tópicos prioritários do programa de propostas.

Até o último domingo (28), 79,2 mil pessoas chegaram à Europa pelo Mediterrâneo, sendo 54,8 mil à Itália, o país que mais recebeu imigrantes, à frente da Espanha, com 18,7 mil. O desembarque à península italiana por rotas marítimas subiu 44% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Acnur, a agência da ONU para refugiados. Cerca de mil pessoas morreram ou acabaram desaparecidas.

Estimuladas pelas condições meteorológicas favoráveis, as travessias atingiram o patamar mais alto do ano em agosto, segundo o Ministério do Interior italiano, que contabilizou 15,7 mil imigrantes desembarcados. Só no sábado (27), foram 1.909 pessoas. A maioria tem como países de origem Tunísia, Egito e Bangladesh -os últimos tentam chegar à Europa depois de passarem pela Líbia.

A crise no Mediterrâneo acontece simultaneamente a outra emergência imigratória marítima na Europa. No Canal da Mancha, 12,7 mil pessoas chegaram ao Reino Unido em pequenos barcos nos primeiros seis meses do ano, mais que o dobro do mesmo período de 2021, segundo o governo britânico. A maioria é de albaneses, afegãos e iranianos. No dia 22, um recorde foi batido, com 1.295 imigrantes em um único dia.

Embora não estejam diretamente ligadas, as duas situações envolvem tanto refugiados de zonas de conflitos quanto pessoas que viajam devido à deterioração de condições socioeconômicas. Em ambos os casos, disse o Acnur à Folha de S.Paulo, é preciso manter e expandir vias seguras para que as pessoas não sejam forçadas a travessias perigosas.

No entanto, assim como a imigração irregular marítima tem alimentado o discurso linha-dura dos candidatos que disputam o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido, na Itália, a crise do Mediterrâneo virou um dos temas principais do debate eleitoral, estimulando os políticos da ultradireita a apresentarem suas promessas mais severas.

Na segunda (29), tanto Giorgia Meloni quanto Matteo Salvini, da mesma coligação, fizeram atos separados na Sicília, a ilha no sul da Itália que é a região mais atingida pelas chegadas via mar, com 42 mil imigrantes. Meloni defende a necessidade de um "bloqueio naval", definido por ela como uma missão europeia em acordo com as autoridades norte-africanas para impedir travessias ilegais. "Um Estado sério controla e defende as próprias fronteiras", afirmou.

Para especialistas, a iniciativa não respeita a Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo a qual todos têm direito à liberdade de movimento e a deixar um país. "É uma proposta que não dá nem para ser levada em consideração, porque não pode ser realizada", diz Valentina Brinis, coordenadora de advocacy da ONG Open Arms, que em três meses atuou no resgate de mil imigrantes no Mediterrâneo.

Já Salvini, ex-ministro do Interior entre 2018 e 2019, pretende, caso volte ao governo, resgatar um pacote de medidas que, além de barreiras a quem pede asilo, prevê multas para as ONGs que prestam socorro no Mediterrâneo. "Nem precisa de bloqueio naval, basta recuperar os meus decretos."

Nesta quarta (31), Salvini fez uma live nas redes sociais durante uma visita ao posto de acolhimento da Lampedusa, que abriga cerca de 1.300 pessoas, apesar de a capacidade ser de 350. Nas cenas, é possível ver quartos superlotados e mulheres e crianças deitadas no chão ao ar livre.

Ao elogiar o governo italiano pela transferência de 38 requerentes de asilo para a França e por responder ao aumento dos desembarques com "humanidade", o Acnur declarou estar preocupado com a situação na Lampedusa. "Especialmente com a falta de separação adequada dos diferentes perfis de pessoas, falta de saneamento e de alojamento devido à superlotação."

As cenas e o discurso da ultradireita contrastam com as reações observadas há seis meses, quando a invasão russa desencadeou a fuga em massa de ucranianos -do total de 7 milhões, cerca de 160 mil refugiados foram recebidos na Itália.

"Europa e Itália mostraram uma resposta exemplar. Se a abordagem se mostrou eficaz para a situação da Ucrânia, por que não pode ser usada também para pessoas que fogem de guerras e perseguições em outras partes do mundo?", questiona o Acnur. "Todos os refugiados têm o direito de serem protegidos e de reconstruir suas vidas com dignidade, seja qual for o país de origem."