Rússia recua forças no nordeste da Ucrânia e faz ataque com mísseis

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pega desprevenida pela contraofensiva ucraniana no nordeste do vizinho que invadiu há 200 dias, a Rússia começou a retaliação com mísseis e artilharia contra as áreas que perdeu na região de Kharkiv.

Na capital homônima da província, que não chegou a ser ocupada pelos russos, os moradores enfrentam um blecaute e falta de água. "O pesadelo começou de novo, achávamos que o pior tinha passado", disse por mensagem de texto Anna Rudavina, jornalista que trabalha numa rede de hotéis na cidade.

Ela ficou abril e maio fora de Kharkiv, mas voltou e retomou sua vida. "Nunca voltamos ao normal, mas hoje as explosões foram dentro do perímetro urbano", afirmou ela, que mora no oeste da capital regional, área considerada segura por ficar mais distante do alcance da artilharia russa. "Foram mísseis", disse.

Segundo o comando das Forças Armadas em Kiev, 11 deles, de cruzeiro, atingira a região entre a noite de domingo (11) e esta manhã. Ao longo do dia, mais explosões foram relatadas lá, em Kupiansk e em Izium, importante centro ferroviário que Moscou usava para abastecer suas tropas mais a sudeste, no Donbass ocupado.

A cidade foi recapturada pela Ucrânia no sábado. A prefeitura local afirma que 80% dos prédios de Izium foram ou destruídos ou danificados, e que ao menos 1.000 pessoas morreram em resultado da ocupação russa -a população era de 50 mil pessoas antes da guerra, e agora está reduzida a um quinto disso.

O Ministério da Defesa russo admitiu nesta segunda (12) ter recuado tropas, mas afirma que o fez como um rearranjo de forças. É um jeito edulcorado de explicar o que as imagens que circulam sob supervisão de Kiev sugerem: uma fuga, deixando para trás armamentos e provisões.

Versões de lado a lado, o fato é que a Rússia só agora, após perdas ao longo da semana passada, parece reagir de fato. Houve envio de reforços na sexta (9), mas isso não surte efeito imediato.

O governo de Vladimir Putin preferiu não piscar. Segundo disse nesta segunda o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, a "operação militar especial vai continuar até atingir seus objetivos". O Ministério da Defesa afirma que atacou militares e milicianos do grupo Kraken, matando 250 pessoas.

Já a Ucrânia afirma que os ataques de domingo para cá visam infraestrutura civil, o que explica o apagão e a falta de água em Kharkiv. "Nenhuma instalação militar, o objetivo é deixar as pessoas sem luz e aquecimento", escreveu no Twitter o presidente do país, Volodimir Zelenski.

Segundo analistas militares, os russos estão reagrupando soldados e equipamento usando a fronteira natural do rio Oskil, a leste de Izium. De lá, alertou o Ministério da Defesa da Ucrânia, pode haver um contra-ataque, já que as forças de Kiev dizem ter recapturado 3.000 km quadrados de território muito rapidamente, expondo seu escasso número de tanques, que foram decisivos até aqui.

Essa é aposta feita por observadores em Moscou: que a velocidade do avanço não seria acompanhada por uma capacidade de manter os ganhos. Os próximos dias deverão clarificar isso.

O ataque surpresa dos ucranianos a nordeste marca uma nova etapa da guerra que havia começado com os preparativos da contraofensiva no sul, na região de Kherson, que se arrastou por um mês até ganhar tração. Kiev passou o fim de semana vendendo a versão de que todo o esforço no sul era apenas um diversionismo para atrair forças russas e deixar desguarnecido o nordeste.

Faz sentido, mas também escamoteia o fato de que em Kherson os avanços ucranianos foram modestos. Estrategicamente, a manutenção da ocupação lá é mais importante para os russos do que na região de Kharkiv, pois a província faz fronteira com a Crimeia, sendo parte da ponte que liga a península anexada em 2014 ao Donbass a leste.

Por outro lado, Kharkiv é importante linha de apoio às forças russas e pró-Rússia no Donbass. Para Kiev, a reconquista da região também é vital porque ao menos empurra Moscou para as fronteiras russófonas do leste, na hipótese de haver alguma negociação futura para encerrar a guerra.