Ex-porta-voz de Trump se aproxima de Bolsonaro e quer expandir rede social Gettr no Brasil
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Jason Miller não quer dizer para quem ele torce na eleição brasileira. Porta-voz e assessor sênior de Donald Trump nas campanhas presidenciais dos EUA de 2016 e 2020, o americano afirma que prefere "ser um pouco mais reservado nos comentários sobre eleições".
"Se não, meu grande amigo Alexandre de Moraes pode me atacar de novo", explica, com ironia, em entrevista à Folha de S.Paulo. O estrategista político republicano se refere à sua primeira visita ao Brasil, em setembro de 2021, quando foi detido no aeroporto de Brasília para depor à Polícia Federal no inquérito que apurava atos antidemocráticos, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal.
Moraes queria saber se Miller, ainda próximo de Trump e de outras figuras controversas da direita dos EUA, como Steve Bannon, estava de alguma maneira envolvido em movimentos para contestar a legitimidade das instituições --o americano viajou para participar da versão brasileira da CPAC, conferência que reúne personalidades do campo conservador.
"Se eu soubesse que ficar detido por três horas me traria 100 mil novos seguidores no Brasil, teria ficado detido por seis horas", diz.
Não que seja muito difícil descobrir o candidato favorito dele. O ex-assessor de Trump estava no almoço de Jair Bolsonaro (PL) com apoiadores em uma churrascaria brasileira na última semana em Nova York e foi ao Rio de Janeiro para o Bicentenário da Independência, convertido em ato de campanha da reeleição do presidente.
No último ano, Miller viajou três vezes ao Brasil --as duas primeiras para a CPAC, em Brasília e Campinas, e a terceira para o 7 de Setembro. Nesse período, se aproximou da família Bolsonaro e fez amigos como os comentaristas da Jovem Pan Ana Paula Henkel e Paulo Figueiredo, neto do último presidente da ditadura militar, João Figueiredo.
O interesse de Miller pelo Brasil, contudo, vai além da esfera ideológica. O país é hoje o segundo principal mercado da Gettr, rede social da qual ele é diretor-executivo. A plataforma se vende como um pilar da defesa absoluta da liberdade de expressão e promete que nenhum usuário será "perseguido" em razão de opiniões políticas --o que significa que não haverá exclusão de publicações ou de contas por disseminar notícias falsas, por exemplo.
Segundo Miller, dos 6,5 milhões de usuários da Gettr, cerca de 900 mil são brasileiros. A cifra deixa o Brasil atrás dos EUA, que tem metade do total de contas, e à frente do Reino Unido, com 10%. O site já é todo traduzido para o português e ganhou as cores verde e amarela no 7 de Setembro. No evento no Rio, um totem gigante inflável foi erguido na avenida Atlântica, em Copacabana, com a publicidade da plataforma.
Fundada não por acaso em 4 de julho de 2021, a Gettr aproveitou o feriado da Independência dos EUA para prometer autonomia em relação às big techs, como Facebook, Google e Twitter --que são, segundo Miller, uma das principais ameaças à liberdade de expressão. A proposta é semelhante à da Truth Social, criada pelo próprio presidente, mas bem menor.
Para explicar por que decidiu criar a rede, ele cita o que considera censura a uma reportagem do tabloide conservador New York Post sobre um dos filhos do então candidato Joe Biden a menos de um mês da eleição presidencial em 2020. Emails indicavam possíveis irregularidades em negócios de Hunter Biden na Ucrânia, mas a reportagem foi considerada "desinformação russa" e seu compartilhamento foi limitado em redes como Facebook e Twitter. Depois do pleito, investigações mostraram que o material obtido pelo tabloide era verídico.
O principal motivador para criar a rede "livre de cancelamento", porém, foi a expulsão de Trump das principais plataformas após a invasão do Congresso dos EUA, insuflada pelo então presidente, sob a justificativa de que o discurso online dele poderia incitar mais violência real.
"Eu acredito fundamentalmente que a liberdade de expressão é um direito divino", diz Miller. "A habilidade de se comunicar, de compartilhar opiniões, é o que nos separa dos animais e o que nos faz únicos. E também é o que separa as democracias de Estados autoritários."
Em pouco mais de um ano de operação, a Gettr organizou em uma sede com cerca de 50 funcionários em Nova York, além de mais algumas dezenas de terceirizados espalhados pelo mundo, inclusive no Brasil, responsáveis por atividades como moderação de comentários.
A moderação, inclusive, não é vista como censura por Miller. Ele afirma que a plataforma impõe, sim, limites à conduta dos usuários. Não é permitido, por exemplo, fazer ameaças ou extorquir usuários. Além disso, segundo o criador, nenhuma forma de incitação ao terrorismo, como a defesa do nazismo ou do Estado Islâmico, é tolerada, e termos considerados racistas na língua inglesa também são proibidos.
A Gettr ainda está longe de dar lucro e é mantida com aportes de dois financiadores; Miller não revela nomes nem números. Em outubro, porém, a empresa vai lançar uma plataforma de anúncios que permite monetização para criadores de conteúdo e que deve ser o primeiro passo para que se torne lucrativa.
Bolsonaro e seus familiares são usuários ativos na Gettr --o presidente teve publicações excluídas em outras plataformas quando incentivou o uso de medicamentos ineficazes contra a Covid ou questionou a integridade das urnas eletrônicas.
As portas também estão abertas para o principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Ele é bem-vindo", diz Miller, que considera equivocada a visão de que a Gettr só tem usuários de direita. "Acho que ele está perdendo tempo, poderia se conectar com muitos eleitores lá."