Oposição na Venezuela discute primárias em meio a futuro incerto de Juan Guaidó
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Na última quinta-feira (27), Juan Guaidó tentou mais uma vez demonstrar que ainda tem força política na Venezuela. Reuniu apoiadores e com eles marchou pelo centro de Caracas até a sede do Conselho Nacional Eleitoral. Em discurso, pediu que a data das eleições presidenciais seja definida e respeitada e reafirmou estar de acordo com primárias para escolher um candidato único da oposição.
Na prática, porém, longe de conservar a unanimidade que já teve entre os partidos contrários ao ditador Nicolás Maduro, o político vê sua legitimidade cada vez mais abalada, lançando dúvidas em relação a sua posição no eventual pleito e mesmo a sua permanência como líder da Assembleia Nacional --com base na qual ele se autoproclamou presidente interino do país.
O órgão dominado pela oposição e ignorado pela ditadura se prepara para, em 5 de janeiro, mais uma vez eleger seu líder para os 12 meses seguintes. E, como se dá a cada final de ano na Venezuela desde 2019, as semanas que antecedem a votação são de rumores sobre o destino do colegiado --que, a rigor, já extrapolou seu mandato-- e de Guaidó.
Há pouco mais de duas semanas, reuniram-se no Panamá os líderes das quatro principais legendas contrárias a Maduro (Primero Justicia, Acción Democrática, Un Nuevo Tiempo e Voluntad Popular) e o embaixador dos Estados Unidos designado para a Venezuela mas que atua no Panamá, James Story.
Depois do encontro, informações sobre os rumos da oposição vazaram de forma sigilosa a veículos como o britânico Financial Times e os americanos Bloomberg e CNN. De modo geral, trataram do desgaste de Guaidó e de até quando ele deveria ser reconhecido como presidente interino por Washington.
Como o opositor não é mais unanimidade em seu grupo político, cada partido parece ter cravado nele um espinho, na esperança de renovar os nomes aventados para o possível pleito. A ideia dessas legendas é realizar uma primária ainda em 2023, talvez em junho, para chegar a um candidato único em 2024.
A data é a prevista pelo calendário original, ainda que recentemente o homem forte do regime, Diosdado Cabello, tenha citado num discurso que o chavismo está tão preparado para as eleições que poderia realizá-las "já em 2023".
Quem conhece a ditadura sabe se tratar de um artifício para tentar agitar e dividir a oposição, já que um candidato único do outro lado não é o que o regime deseja --quanto mais nomes houver, mais fácil que Maduro se imponha. Guaidó respondeu que anunciar eleições em outra data para surpreender os opositores é estratégia conhecida do chavismo e defendeu, em vídeo divulgado nas redes sociais, a tese de que o pleito presidencial já está atrasado, uma vez que o de 2018 foi considerado irregular.
O político atribui a renovada confusão sobre sua continuidade ou não na liderança da Assembleia Nacional a uma disputa interna entre os opositores, algo que de resto já ocorreu antes.
Verdade é que o cenário que envolve Caracas hoje mudou bastante, principalmente para os EUA, que têm novo interesse na região. Com o custo de vida e o mercado de energia e combustíveis abalados pelos efeitos da Guerra da Ucrânia, a Venezuela é citada como possível escape para uma parceria econômica devido a suas grandes reservas de petróleo.
O presidente Joe Biden enfrenta um quadro de popularidade baixa às vésperas do pleito legislativo que pode terminar com o fim da maioria de seu partido na Câmara e no Senado, comprometendo a metade final de seu governo.
De acordo com fontes ligadas aos diálogos entre a ditadura e a oposição no México, hoje interrompidos, os EUA já demonstraram que estariam dispostos a reduzir sanções para voltar a ter acesso ao produto venezuelano, desde que os chavistas cumpram com algumas condições. Entre elas, levar com seriedade as eleições previstas para 2024 e retomar a mesa de negociação.
A subsecretaria de Estado americana para a região já está realizando reuniões com Gerardo Blyde e outros membros da chamada Plataforma Unitária venezuelana para tratar da volta dos diálogos no México. Por essa avaliação, seria o caminho de garantir um pleito mais justo em Caracas, sem irregularidades ou indícios de manipulação de resultado, que grassaram nos últimos processos.
As eleições regionais de novembro passado marcaram a volta da oposição, que as boicotava desde o pleito de 2015 para o Legislativo, reconhecido internacionalmente como o último legítimo do país --dois anos depois, o regime promoveu a votação para a Assembleia Constituinte que visava esvaziar a Assembleia Nacional e, em 2018, Maduro foi reeleito em uma disputa contestada.
Num informe, o Departamento de Estado dos EUA afirmou que Washington "reconhece o presidente interino Juan Guaidó e apoia, junto aos partidos opositores, a negociação que leve a uma saída dessa situação por meio de eleições livres". Um funcionário da chancelaria, pedindo anonimato, resumiu à reportagem que a situação talvez não seja coerente, mas que abandonar o reconhecimento ao político abriria caminho para isolar Maduro no poder, o que representaria um retrocesso.
Em entrevista recente à CNN, o opositor reforçou que o compromisso que os americanos têm com ele é de acompanhá-lo até o pleito --para o qual não esclareceu se será candidato.
Guaidó lidera a Assembleia Nacional desde 5 de janeiro de 2019. Dias depois, apoiando-se no fato de que a comunidade internacional apontara as irregularidades na eleição de Maduro, declarou que o poder estava vago no país desde o fim do primeiro mandato do ditador; pela legislação então em vigor, ele seria o próximo na linha de sucessão. A autoproclamação ganhou o apoio de mais de 50 líderes, incluindo os de Colômbia, Brasil e EUA (Iván Duque, Jair Bolsonaro e Donald Trump), e levou, por semanas, as pessoas às ruas em seu apoio.
Desde então, porém, uma série de erros graves foram cometidos, como o processo de envio de ajuda humanitária por meio de pontes então fechadas na fronteira com a Colômbia e o episódio do desembarque de mercenários, nunca bem explicado, na costa venezuelana.
Sem entregar de modo rápido o que prometeu --a queda de Maduro-- e por fim impedido de ir às ruas pela pandemia, Guaidó viu o apoio das massas minguar e alguns líderes internacionais pularem fora, como o novo presidente colombiano, Gustavo Petro. As próximas semanas dirão quem continuará em seu barco.