Como mísseis da Coreia do Norte se relacionam com guerra na Ucrânia

Por GIOVANNA GALVANI

SÃO PAULO, SP (UOL-FOLHAPRESS) - A Coreia do Sul e os Estados Unidos realizaram exercícios militares conjuntos após um míssil da Coreia do Norte ter sobrevoado uma região do Japão nesta terça-feira (4), dando continuidade a diversas demonstrações militares por países da região.

O histórico de guerra entre as Coreias e as ameaças envolvendo armas nucleares também se relacionam a temáticas da guerra da Rússia contra a Ucrânia. A presença influente dos EUA em ambas situações, mesmo indiretamente, tende a potencializar uma demonstração de força, avaliam especialistas.

O míssil balístico lançado ontem pela Coreia do Norte foi o primeiro que atravessou um território japonês nos últimos cinco anos. Operações de trens no norte do Japão foram suspensas temporariamente e o governo alertou a população sobre a eventual necessidade de proteção em abrigos.

Em resposta, segundo o canal de notícias sul-coreano KBS, quatro jatos F-15K da Força Aérea da Coreia do Sul e quatro F-15 dos Estados Unidos voaram em diferentes formações para testes de precisão com lançamento de bombas.

"Os testes demonstraram a capacidade de resposta da Coreia do Sul e dos EUA a qualquer ameaça da Coreia do Norte", escreveu o jornal, com base em um comunicado dos militares sul-coreanos. O Ministério da Defesa da Coreia do Sul divulgou fotos dos jatos durante os exercícios.

TENSÃO

Analistas disseram à Reuters ver o aumento do ritmo de testes como um esforço para construir armas operacionais. Além disso, o conflito na Ucrânia e outras crises estariam distraindo a população, abrindo o caminho para a "normalização" desses exercícios.

Atualmente, as duas Coreias protagonizam uma corrida armamentista regional com aumento de armas e gastos militares. Autoridades sul-coreanas dizem que a Coreia do Norte completou os preparativos para o que seria seu sétimo teste nuclear desde 2006 e o primeiro desde 2017, que aconteceria no momento em que a Rússia ameaça utilizar armas nucleares para "proteger" seu território.

"Outras questões nucleares não resolvidas [além da guerra na Ucrânia] se tornam mais tensas, principalmente porque são dois discursos contra um mesmo ator ? contra os EUA", avaliou Lucas Rezende, professor de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ao UOL.

Para Rezende, a Coreia do Norte realiza uma "manobra oportunista, mas astuta" ao trazer à tona o tema nuclear. "Dificilmente os EUA iriam querer ter disputa de armas nucleares em dois teatros diferentes", diz o professor.

A Coreia do Sul buscou recentemente um acordo de não-proliferação nuclear com a Coreia do Norte. A oferta de ajuda econômica feita por Seul em troca da desnuclearização do país foi rejeitada pelo governo de Kim Jong-Un.

No início de setembro, a Coreia do Norte aprovou uma lei que consagra oficialmente suas políticas de armas nucleares. Essa medida, segundo Kim Jong Un, torna o status nuclear "irreversível" e impede qualquer negociação sobre a desnuclearização no país.

FORÇA MILITAR

Em 23 de setembro, um porta-aviões dos Estados Unidos atracou na Coreia do Sul pela primeira vez em quase cinco anos. O USS Ronald Reagan é classificado no site da Marinha norte-americana como "uma força pronta para o combate".

Em agosto, o USS Ronald Reagan transitou pelo mar da China Meridional e chegou ao mar das Filipinas, a leste de Taiwan e das Filipinas e ao sul do Japão. O posicionamento ocorreu em meio à visita da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan.

"A preocupação com a sobrevivência e integridade territorial é de ambos os lados. O que a Coreia do Norte faz agora é uma sinalização de alerta, não uma declaração de guerra, mas uma resposta às mobilizações que os EUA estão fazendo na região", avaliou Rezende.

QUINTO LANÇAMENTO DE MÍSSIL EM DUAS SEMANAS

Na semana passada, a Coreia do Norte já havia disparado outros quatro mísseis balísticos. Dois deles foram lançados horas antes da realização de um grande show militar na Coreia do Sul com exibição de caças furtivos e mísseis.

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, estava na região um dia antes do terceiro lançamento e encontrou-se com o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol. Ela visitou a zona desmilitarizada na fronteira com o Norte como parte de sua viagem para reforçar sua aliança de segurança com Seul.

"Eles condenaram a retórica nuclear provocativa da RPDC (República Popular Democrática da Coreia) e os lançamentos de mísseis balísticos", disse um comunicado da Casa Branca. "Eles discutiram nossa resposta a potenciais provocações futuras, inclusive por meio da cooperação trilateral com o Japão".

Harris condenou os lançamentos balísticos anteriores a sua visita e chamou a Coreia do Norte de "ditadura brutal".

"No Norte, vemos uma ditadura brutal, violações desenfreadas dos direitos humanos e um programa de armas ilegais que ameaça a paz e a estabilidade", afirmou. "Os Estados Unidos e o mundo buscam uma península coreana estável e pacífica, onde a RPDC não seja mais uma ameaça".

Moradores de região japonesa foram alertados para evacuação por perigo de míssil. O lançamento do míssil balístico de alcance intermediário (IRBM) ocorreu em Jagang, na Coreia do Norte. Essa província foi utilizada para lançar vários testes recentes, incluindo mísseis que os norte-coreanos alegaram ser "hipersônicos".

O governo japonês alertou os cidadãos para se protegerem, pois o míssil parecia ter sobrevoado e passado por seu território antes de cair no Oceano Pacífico.

"A série de ações da Coreia do Norte, incluindo seus repetidos lançamentos de mísseis balísticos, ameaça a paz e a segurança do Japão, da região e da comunidade internacional, e representa um sério desafio para toda a comunidade internacional, incluindo o Japão", disse o porta-voz do governo japonês, Hirokazu Matsuno, em entrevista coletiva.

Falando a repórteres pouco depois, o primeiro-ministro, Fumio Kishida, chamou as ações da Coreia do Norte de "bárbaras" e afirmou que o governo continuaria a coletar e analisar informações.

EUA E EUROPA CONDENAM AÇÃO

O Comando dos EUA para a região Indo-Pacífico condenou o lançamento norte-coreano e reafirmou seu compromisso com a defesa do Japão e da Coreia do Sul.

O conselheiro americano de Segurança Nacional, Jack Sullivan, conversou com autoridades sul-coreanas e japonesas para elaborar uma "resposta internacional apropriada e robusta", anunciou a Casa Branca antes dos testes conduzidos com os sul-coreanos.

Já o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, chamou o disparo de "agressão injustificável" e afirmou que a União Europeia "é solidária ao Japão e à Coreia do Sul". Para ele, essa é uma "tentativa deliberada" de abalar a segurança na região.