Debate sobre futuro da democracia nas midterms da Pensilvânia ofusca questões locais

Por THIAGO AMÂNCIO

FILADÉLFIA, EUA (FOLHAPRESS) - Primeira capital dos Estados Unidos, local onde foi declarada a independência do país e assinada a Constituição, há quase 250 anos, a Filadélfia é considerada o berço da democracia americana.

Não que isso importe muito para a dona de casa Jessica Randal, 39, que diz não saber se votará nas eleições de terça (8) --as midterms, que escolherão governador, senador e deputados, entre outros cargos.

"Meu pai foi um republicano a vida toda e diz que votar era um direito e que precisávamos exercer. Mas eu não vejo muita diferença", diz ela, que faz bicos como faxineira para fechar as contas do mês quando o marido não encontra muito trabalho. "Quando os políticos são eleitos, viram a mesma coisa. Estão preocupados com outros assuntos e esquecem o que é importante para o dia a dia do eleitor."

A Pensilvânia é um dos símbolos do chamado cinturão da ferrugem, região que engloba parte do Nordeste e do Meio-Oeste dos Estados Unidos, onde a desindustrialização ao longo da segunda metade do século passado aumentou os níveis de pobreza e provocou degradação urbana. Só a Filadélfia, por exemplo, perdeu 495 mil habitantes desde 1950, cerca de 24% de sua população.

A crise de 2008 foi outro duro golpe, e a cidade nunca se recuperou completamente. Hoje tem sua própria "cracolândia" no bairro de Kensington, com ruas tomadas para compra, venda e uso de heroína e outros opioides a céu aberto --1.276 pessoas morreram por overdose na Filadélfia no ano passado.

Jessica e seu marido, Allan, 57, têm visto a violência chegar cada vez mais perto de casa. Eles se dizem insatisfeitos com os rumos do país e elegem o aumento do custo de vida como o principal inimigo.

"Antes eu pagava US$ 2 [R$ 10] a libra do hambúrguer [equivalente a 450 gramas]. Hoje está US$ 6 [R$ 30]. Antes, minha conta de energia custava US$ 80 [R$ 404]. Hoje custa mais de US$ 100 [R$ 505]. Gasto mais de US$ 1.000 [R$ 5.000] com comida para minha família por mês, e às vezes não é suficiente", diz Allan, que tem seis filhos e ganha a vida reformando e limpando casas vazias antes da venda ou aluguel.

É por isso que, diferentemente da esposa, afirma que vai votar nesta eleição, como fez pela primeira vez na vida em 2020, aos 55, quando se registrou para apoiar Donald Trump, derrotado por Joe Biden.

Mesmo pobre, culpa os auxílios econômicos do governo do democrata durante a pandemia pela situação econômica do país --ainda que eles tenham começado na gestão de Trump. "Muita gente no meu bairro nunca tinha visto tanto dinheiro e hoje não quer mais trabalhar. É por isso que a comida está tão cara."

As pesquisas apontam que a economia é a principal preocupação entre eleitores do estado. Na sequência, vem o aborto --o próximo governador terá o poder de vetar ou aprovar o que a legislatura local decidir, após a Suprema Corte determinar que a interrupção voluntária da gravidez não é um direito constitucional.

"No fim, o governo local pouco poderá fazer pela economia. Mas a eleição local vai decidir os rumos da questão do aborto, da educação e das políticas ambientais do estado, grande produtor de gás natural", explica o cientista político Daniel Mallinson, professor da Universidade do Estado da Pensilvânia.

Para ele, o distanciamento de temas locais nos debates e o foco em questões nacionais, como o futuro da democracia, faz parte de uma tendência da política americana que se acentuou desde as últimas eleições.

Pesa também o fato de que mesmo a eleição local pode ter impacto nacional, afirma o professor, já que o próximo governador indicará o secretário de estado, que organiza as regras do pleito presidencial de 2024.

O candidato republicano a governador, Doug Mastriano, não só ecoou as alegações falsas de Trump de que o pleito de 2020 foi roubado como é alvo do comitê da Câmara que apura a invasão do Capitólio.

Esse é um tema incômodo para Allan, que vai votar, outra vez, nos republicanos. "Sou totalmente contra essas ideias extremistas e violentas. Vou votar neles, mas só quero viver uma vida tranquila."