Aborto e economia decidirão se Senado dos EUA será republicano ou democrata
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Dois temas empurram para sentidos opostos o futuro do Senado dos Estados Unidos ?por consequência, o futuro do governo Joe Biden, e há quem diga que até o futuro da democracia americana: aborto e economia.
São esses os dois assuntos que mais mobilizam os eleitores segundo as pesquisas de opinião às vésperas das midterms, eleições de meio de mandato da próxima terça-feira (8), que renovam a Câmara e parte do Senado ?hoje ambos sob controle do Partido Democrata.
As midterms são consideradas um termômetro do governo, e Biden, que tem baixa aprovação, está na fogueira. Mas se os democratas têm alguma chance de manter a maioria no Senado, dando um respiro ao presidente, podem agradecer aos juízes conservadores da Suprema Corte.
Até metade do ano, pesquisas apontavam que era clara a derrota de Biden no Senado. No fim de junho, porém, a Suprema Corte reverteu um entendimento de 49 anos e decidiu que o aborto não é um direito garantido pela Constituição, provocando uma onda de proibições à interrupção voluntária da gravidez em todo o país ?hoje o aborto é proibido em quase todos os casos em 13 estados e tem restrições em cinco.
Ao contrário do que esperavam analistas, a defesa do direito ao aborto acabou se mostrando um tema mais importante para os eleitores ?e eleitoras? do que se imaginava, e as pesquisas eleitorais seguintes mostraram uma reversão na tendência para o Senado. O tema incentivou eleitoras a se registrarem para votar ?o voto não é obrigatório nos EUA? e no começo de agosto um plebiscito no conservador estado do Kansas rejeitou mudar as regras para o procedimento.
Ao longo do verão no hemisfério Norte, o aborto era apontado como o tema mais importante, de modo que a campanha mudou de tom, e republicanos começaram até a atenuar suas posições em relação ao assunto. Em setembro, o site de estatísticas FiveThirtyEight chegou a calcular que os democratas tinham 71% de chance de manter o Senado, com 51 das 100 cadeiras.
Mas, no fim de outubro, essa tendência começou a se inverter e a corrida empatou de novo ?com tendência para os republicanos, que hoje têm 55% de chance de conquistar a maioria, segundo o mesmo agregador de pesquisas. Isso porque, se o aborto é o segundo tema mais importante hoje, citado por 10% dos eleitores na pesquisa mais recente da Universidade Quinnipiac, no topo está a economia ?a inflação, por exemplo, é o tema mais urgente para 36% dos eleitores no mesmo levantamento, feito uma semana antes do pleito.
Biden até conseguiu mostrar resultados melhores nas últimas semanas. Após dois trimestres consecutivos de queda, o PIB americano se recuperou e cresceu 2,6% no 3º trimestre. Mesmo a inflação, hoje em 8,2% no acumulado de 12 meses até setembro, está menor do que o pico de 9,1% em junho. O preço da gasolina também caiu ?depois de atingir o pico de US$ 5 o galão em junho, está em US$ 3,80.
Mesmo com esse alívio, ainda são níveis altos para os patamares americanos, e cresce a cada pesquisa a percepção de que o país não está na direção certa. Com isso, o eleitor tende a punir o partido no comando do país, afirma o analista político John Zogby, especialista em pesquisas de opinião.
"A inflação está na categoria de inflação descontrolada e é a grande questão nas pesquisas nacionais porque afeta a todos, não apenas um alvo ou um segmento", diz. "A maior vantagem que os republicanos têm é que estão fora do poder", acrescenta Zogby, ponderando que os republicanos também não têm um projeto claro para lidar com o problema que não seja a plataforma de reduzir os gastos do governo.
Além da economia, os republicanos também batem nos temas da imigração e na questão da segurança pública, criticando as demandas de democratas mais à esquerda de reduzir o financiamento das polícias. Do outro lado, além do aborto, os democratas focam sua campanha na defesa da democracia americana, que estaria em jogo se republicanos radicais voltarem a ganhar espaço no poder.
"Em todas as eleições anteriores, havia um conjunto comum de problemas que todo mundo concordava que existia, e divergia em como responder a isso. A diferença hoje é que há dois partidos com dois conjuntos diferentes de problemas em duas realidades diferentes. São como dois planetas orbitando o Sol em órbitas diferentes", afirma Zogby.
São esses os mesmos temas que influenciam no desenho da Câmara no ano que vem, onde a chance de os republicanos tomarem o controle é muito mais alta, de 84% segundo o FiveThirtyEight ?o número de cadeiras chegou a variar nas pesquisas ao longo do último semestre, mas nunca houve uma ameaça à maioria do Partido Republicano. O portal aponta que a legenda de Donald Trump deve alcançar 230 das 435 cadeiras. Hoje, o partido tem 212 assentos, e com mais 6 já tem maioria.
Se perder a Câmara, mas mantiver o Senado, Biden fica na mesma situação de Trump a partir de 2018, o que é útil para evitar uma perda do cargo em uma eventual crise política grave ?como aconteceu com Trump, que teve dois impeachments aprovados na Câmara, mas barrados no Senado.
Mas isso não significa que o democrata terá pouca dor de cabeça. Primeiro porque sem maioria no começo do governo, Biden não teria aprovado projetos caros à sua gestão, como a Lei da Redução da Inflação, que continha o maior pacote de incentivo à mitigação das mudanças climáticas da história do país. Também poderá esquecer as ideias de apertar o controle do acesso a armas ou aprovar uma legislação federal legalizando o aborto.
Segundo porque os republicanos já falam em abrir comissões para investigar seu governo, à semelhança da que apura o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio. Entre as possíveis apurações estariam o processo de retirada das tropas americanas do Afeganistão ou um suposto uso político do Departamento de Justiça em processos contra Trump.
Perder o controle do Legislativo no meio do mandato é comum. Desde Jimmy Carter (1981-1989), só George W. Bush (2001-2009) conseguiu manter maioria do Congresso nas midterms, em 2002, no pós-11 de Setembro ?maioria que ele perdeu em outra edição do pleito, em 2006.