Boric marca pior aprovação às portas de completar 1 ano como presidente do Chile
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Prestes a completar um ano como presidente do Chile, Gabriel Boric, 37, equilibra-se numa corda bamba.
De um lado, o mais jovem líder do país recorre cada vez mais à esquerda tradicional que criticava à medida que os setores progressistas que o ajudaram a se eleger se mostraram despreparados para governar. De outro, a direita, que ganhou força com a rejeição em plebiscito da proposta de uma nova Constituição, vem retomando seu lugar na política a ponto de ameaçar a governabilidade do presidente.
A solução de Boric tem sido caminhar pelo centro, uma guinada que, lembra Fabricio Pereira da Silva, professor de ciência política da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), vem desde os atos que mobilizaram o país em 2019 e permitiu que ele se colocasse como um presidenciável viável.
Mesmo assim, para os chilenos, tropeços têm sido mais frequentes que acertos. O mais recente deles ocorreu em dezembro, quando indultou 12 condenados por crimes cometidos na onda de manifestações.
Ainda que fosse uma promessa de campanha, a decisão custou a Boric seu chefe de gabinete e mais uma ministra e levou o líder esquerdista a atingir seu pior nível de popularidade até aqui: seu governo foi reprovado por 70% dos chilenos nas duas primeiras semanas de janeiro, segundo pesquisa do Cadem.
Simón Escoffier, professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile, define os perdões como "um grande erro", sobretudo pelo momento em que se deram. Às portas de concedê-los, Boric negociava com siglas ao centro e à direita um pacote de leis para ajudar a controlar a crise de segurança pública no país.
Mas os indultos, que incluíram a soltura do ex-guerrilheiro José Mateluna Rojas, condenado por assalto a banco em 2013 num processo muito controverso, fizeram com que o bloco interrompesse os diálogos.
A crise na segurança é hoje, aliás, o maior dos problemas do presidente. Dados da Fundação Paz Cidadã mostram que o "índice de temor", que mede a percepção de insegurança pública entre os chilenos, atingiu no ano passado 28%, a maior cifra desde 2000. Um relatório do instituto Ipsos do início do ano pôs o Chile como o país mais preocupado com a criminalidade e a violência em um ranking de 29 países.
Embora a percepção de insegurança seja grande, dados indicam que o número de delitos em si não aumentou tanto assim e é ainda menor do que os dos anos pré-pandemia. O que tem ocorrido é um incremento de crimes violentos, algo a que o Chile, com uma das menores taxas da região nesse quesito, não está acostumado. No primeiro semestre de 2022, a quantidade de homicídios no país aumentou 28,7% em relação ao mesmo período de 2021, de acordo com a Subsecretaria de Prevenção ao Delito.
Especialistas creditam o fenômeno ao surgimento de crimes "importados" do resto da América Latina, como assaltos a mão armada em plena luz do dia e mortes por encomenda. Silva, da Unirio, pondera que há também uma campanha na mídia conservadora para explorar os episódios de violência.
"Parece um eterno programa do Datena", afirma o professor, acrescentando que muitas vezes esses programas policialescos misturam crimes comuns e atos de vandalismo em manifestações. "Todos os crimes são explorados assim, e eles demandam do governo: 'O que que vocês vão fazer?', 'vocês não sabem lidar com isso, vocês apoiam delinquentes, movimentos terroristas'."
O resultado tem sido um grande fortalecimento da direita que, segundo Escoffier, não só tem começado a copiar táticas digitais usadas por suas contrapartes em países como o próprio Brasil ou a Argentina, como se apossa cada vez mais do processo para formular uma nova Constituição, reiniciado no fim de 2022.
"O processo foi extremamente cooptado pelos partidos políticos, que viram isso como uma chance de excluir a população", afirma o sociólogo, acrescentando que mesmo na cobertura jornalística o tema perdeu espaço. Ao mesmo tempo, acrescenta ele, a proposta está gradativamente perdendo apoio público. Pesquisa do CEP (Centro de Estudos Públicos) mostra que a porcentagem de chilenos que acreditam que a nova Carta pode resolver os problemas do país foi de 56% em 2019 para 37% em 2022.
Ambos os pesquisadores avaliam que a rejeição da proposta de Constituição no ano passado foi a maior derrota da gestão esquerdista. Silva argumenta que o ideal para o presidente é que o processo termine o mais rapidamente possível --ainda que isso seja pouco realista. "Parece-me que o governo Boric vai ficar enrolado com isso até o final, sem conseguir governar propriamente e levar seus projetos adiante", diz.
Escoffier é outro a afirmar que os arranjos para a Constituinte atravancam o governo. Muitas das promessas de campanha do presidente tinham como pré-requisito uma estrutura institucional diferente.
Além disso, as negociações acerca do novo documento têm drenado seu poder de barganha --muitas vezes, quando a esquerda quer fazer valer seu ponto de vista acerca de algum aspecto do texto, a direita procura compensações fora desse âmbito. "O processo constitucional costumava ser visto como um bastião pelo governo, algo que daria poder a ele. Agora, é um passivo de risco", resume Escoffier.
O pesquisador chileno não concorda totalmente com a avaliação de Silva de que o melhor é que o processo constitucional se encerre de uma vez. Para ele, Boric quer aprovar a proposta para ser o presidente que capitalizou politicamente em cima dela, não importa o resultado. Mas se a nova Carta for demasiado convencional, como caminha para ser, o presidente não teria ganhos políticos, mas perdas.
"Se for esse o caso, a imagem do governo será danificada, e a direita, que não está no poder agora e portanto não pode ser tão responsabilizada, sairá empoderada."