Rússia e China duelam com os EUA e aliados em reunião do G20
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A discordância entre o bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos e a aliança entre Rússia e China dominou as discussões entre os chanceleres do G20, grupo das economias mais desenvolvidas do planeta, e travou a confecção de um comunicado conjunto sobre a Guerra da Ucrânia.
O novo embate, enquanto o Brasil testa sua intenção de ser mediador do conflito, ocorreu na cúpula ministerial em Nova Déli ?onde os anfitriões, ávidos pelo petróleo abundante e barato da Rússia, buscam também a posição neutra defendida pelo Itamaraty.
Como no fim de semana, quando os ministros da Fazenda do G20 se reuniram em outra cidade indiana, Bangalore, não houve acordo sobre os termos de uma declaração. Chineses e seus aliados russos vetaram a ideia de uma condenação direta da invasão que completou um ano na sexta passada (24).
O mal-estar foi definido no primeiro encontro depois da guerra entre os chefes da diplomacia russa e americana, Serguei Lavrov e Antony Blinken, antes da reunião plenária do evento. Ambos haviam se cruzado em reunião similar em Bali, em julho passado, mas não dialogaram ?o russo chegou a abandonar a sala quando o chanceler ucraniano, não presente agora, discursou.
Eles falaram rapidamente por dez minutos, e concordaram em discordar. "Nós temos que continuar a pedir que a Rússia encerre sua guerra de agressão e saia da Ucrânia, em nome da paz internacional e estabilidade econômica. Infelizmente, esse encontro foi novamente estragado pela guerra injustificada e não provocada", afirmou Blinken em nota.
Segundo o Departamento de Estado, ele pediu que a Rússia reconsidere a volta ao último tratado de limitação de armas nucleares remanescente, o Novo Start, do qual Vladimir Putin suspendeu a participação de seu país na semana passada. E insistiu na retirada russa da Ucrânia.
A chancelaria russa foi ainda mais econômica, dizendo que Lavrov e Blinken se falaram "de passagem" e que nada substancial foi conversado.
Segundo a Rússia, a agenda do G20 foi tornada "uma farsa" pelo Ocidente, já que países como EUA e aliados buscaram culpar o Kremlin pelos problemas econômicos do mundo. "O Ocidente cria obstáculos para a exportação de produtos agrícolas russos", afirmou Lavrov, acusando os rivais de "enterrar sem vergonha" o acordo mediado por Turquia e ONU para que russos e ucranianos exportem grãos pelo mar Negro.
Foi apoiado pelo colega chinês, Qin Gang, que voltou a defender a paz na Ucrânia, mas disse que "não pode haver dois pesos e duas medidas" na discussão da questão, apontando o dedo para o Ocidente após um encontro à parte com Lavrov.
"Infelizmente, um membro do G20 evitou que os outros 19 focassem nas questões para as quais o G20 foi criado", rebateu a ministra alemã Annalena Baerbock. Ela foi seguida em suas críticas pela colega francesa Catherine Colonna e pelo holandês Wopke Hoekstra.
O líder do país anfitrião, o primeiro-ministro Narendra Modi, foi cândido em um pronunciamento em vídeo para os chanceleres. "Vocês estão se encontrando em um tempo de profundas divisões globais. Nós não devemos deixar que questões que não podemos resolver juntos entrem no caminho daquelas que nós podemos", afirmou.
A Índia absteve-se de votar contra a invasão na ONU e tem auferido vantagens econômicas pelo fechamento do mercado europeu para hidrocarbonetos de Moscou: aumentou em 14 vezes a quantidade de petróleo que compra da Rússia.
Com efeito, seus cidadãos estão entre os que têm melhor avaliação da Rússia em uma ampla pesquisa feita pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores, que ouviu indianos, turcos, chineses, americanos, britânicos e outros europeus em dezembro e janeiro.
O trabalho sugere fortemente a divisão do mundo em três blocos: o Ocidente liderado pelos EUA, a aliança sino-russa e o grupo não alinhado, formado por países como o Brasil e a própria Índia.
No G20, o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, conversou com todos os lados para sondar a disposição acerca de uma proposta feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a criação de um grupo de países neutros destinado a mediar o conflito.
A ideia é inicial e aberta, tendo sido recebida com mais frieza pelo Ocidente, que não vê a eventual participação da China, aliada de Putin e membro do grupo Brics como Brasil, Índia, África do Sul e Rússia, como neutra. Pequim, por sua vez, fez uma proposta genérica de paz na semana passada, vista com simpatia morna em Kiev e rejeitada pelo Ocidente.
Pesa em favor da posição de neutralidade brasileira junto ao Ocidente o fato de o país ter condenado a invasão na ONU, diferentemente dos colegas do Brics. Ao mesmo tempo, nega sanções e vetou o envio de munição a Kiev.
No momento, contudo, a animosidade no campo de batalha, expandida para a arena da Guerra Fria 2.0 entre EUA e China, impede qualquer avanço concreto. Como o vice-chanceler Serguei Riabkov disse em entrevista coletiva em Genebra, ao responder questão do UOL sobre a intenção brasileira, "não há necessidade de mediação" a esta altura.
O balé diplomático segue: Lula irá à China no fim de março, já tendo visitado o americano Joe Biden no mês passado, e Lavrov confirmou que visitará o Brasil em abril.