Em giro pela África, Macron diz que era da interferência francesa na região acabou

Por Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em uma gestão que logrou mais fracassos do que êxitos nas relações com a África, o presidente da França, Emmanuel Macron, faz um giro pelo continente nesta semana com o objetivo de retomar uma parcela do prestígio que o país outrora teve na região.

O esforço já começa no discurso: Macron, reeleito em abril de 2022, tem adotado oratória que visa a desvencilhar Paris do passado colonial na África. "A era em que a França interferiu na África acabou", disse o chefe do Eliseu durante discurso na capital do Gabão, Libreville, nesta quinta (2).

Macron assistiu a uma espécie de sentimento anti-francês escalar em ex-colônias do país na região, em especial no Mali e em Burkina Fasso. Ao mesmo tempo, cresce a influência da China e da Rússia, e mesmo o grupo mercenário Wagner se faz presente em vários países africanos.

Neste giro pela África, durante o qual também passará por Angola, República Democrática do Congo e Congo -áreas fora da órbita do Sahel, onde antes estava concentrada a presença francesa-, ele tem proposto uma nova abordagem com bases militares francesas coadministradas pelas nações anfitriãs.

"Quando leio, ouço e vejo as pessoas atribuírem intenções à França que o país não tem, tenho a sensação de que as mentalidades ainda não avançaram tanto quanto nós", acrescentou o presidente.

Sob a justificativa de combater o avanço de grupos terroristas em porções do continente, em especial no Sahel, Paris investiu em uma longa guerra, com presença de tropas francesas, a Operação Barkhane.

Mas a ineficiência do projeto, somada ao avanço de regimes militares em algumas nações da região --e à pressão de Paris para que houvesse democratização-, fez a oposição à presença francesa crescer.

O exemplo mais recente ocorreu em janeiro, quando a França cedeu à pressão dos militares que lideram Burkina Fasso e anunciou a retirada de suas tropas do país. Havia meses, mobilizações nas ruas da nação africana contavam com protestos contra a França e a favor de uma maior presença da Rússia.

Um ano antes, Paris já havia retirado as tropas do Mali. O golpe militar que ocorrera no país meses antes catalisou a decisão, à época justificada por Macron por não "existirem mais condições políticas, operacionais e jurídicas para seguir de forma efetiva com o compromisso da luta contra o terrorismo".

Na viagem de cinco dias pela África, o líder francês tem tentado se descolar da agenda meramente militar e mostrar que a chamada "françafrique", como são apelidadas as relações entre França e África, pode ir além. No Gabão, onde esteve para uma Cúpula Florestal de dois dias, anunciou o envio de EUR 50 milhões (R$ 275 milhões) para ajudar países na proteção de suas florestas e da biodiversidade.

"Precisamos ter dinheiro na mesa e ter ações concretas", disse o presidente francês. O anúncio não é feito sem motivo no país da Costa Oeste da África: no Gabão está parte da segunda maior floresta tropical do mundo, atrás apenas da Amazônia -a Floresta do Congo.

Dali, ele ruma para Angola, antiga colônia lusófona com a qual a França tem laços econômicos, em especial no setor do petróleo --o país é um dos maiores produtores da África, ao lado da Nigéria. Macron tem afirmado que quer diversificar parcerias, desta vez para fora da área histórica de influência de Paris.

O francês não é o único líder que tem se voltado para o continente, também uma prioridade russa. O chanceler russo, Serguei Lavrov, esteve há poucas semanas no Mali, na Mauritânia e no Sudão, após giro anterior no qual passou por África do Sul, Essuatíni, Angola e Eritreia.

Em Cartum, capital do Sudão, disse ter conversado com líderes regionais sobre as necessidades de reformar o Conselho de Segurança da ONU, onde a Rússia é membro permanente e, portanto, tem poder de veto, e de construir um mundo multipolar. "Delegações ocidentais estão seguindo nossos passos e tentando impedir nossos esforços para ter um mundo multipolar", disse o chefe da diplomacia russa.

Mais recentemente, China e Rússia realizaram exercícios militares conjuntos com a África do Sul, na costa leste do país, o que Pretória chamou de um exercício de rotina. As manobras ocorreram na mesma época do aniversário de um ano da Guerra da Ucrânia e foram criticadas por países como os Estados Unidos.

Quem também esteve em países da África há pouco tempo foi o papa Francisco, que, após adiar a visita por questões de saúde, foi à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul em janeiro. Na ocasião, o líder da Igreja Católica adotou um discurso enfático contra a interferência estrangeira no continente.

"Tirem as mãos da África! Parem de asfixiar a África! Ela não é uma mina ou um terreno a ser explorado. Deixem a África ser protagonista de seu destino", disse o pontífice durante discurso em Kinshasa.