Militares e milícias frustram cessar-fogo no Sudão, e crise humanitária se intensifica

Por Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não durou nem duas horas o cessar-fogo acertado nesta terça-feira (18) entre o regime militar à frente do Sudão e paramilitares que tentam tomar o poder no país. O acordo, feito após pressão dos EUA, duraria 24 horas e teria início às 18h do horário local (13h em Brasília).

Pouco após o horário, tiros podiam ser ouvidos em transmissões de canais de notícias que operam na capital do país, Cartum, e moradores relataram episódios de violência. A milícia RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), que tenta tomar o poder, também acusou o Exército de violar o cessar-fogo.

O conflito civil no país já marcado por grave crise política e social teve início no sábado (15), quando um movimento liderado pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, alegou ter tomado o controle de locais estratégicos para o Estado.

O episódio desencadeou uma onda de violência e, por consequência, uma crise humanitária, como a ONU chama o caso. Até aqui, quase 200 pessoas já morreram em ataques e mais de 1.800 estão feridas.

Em uma rede social, o coordenador de Socorro de Emergência da ONU, Martin Griffiths, afirmou que há uma escalada de violência contra trabalhadores humanitários e que os serviços das Nações Unidas têm recebido relatos de ataques e violência sexual contra os funcionários. "Isso é inaceitável e deve acabar."

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) também soou o alerta e pediu que militares facilitem o trabalho das organizações humanitárias. "Estamos muito preocupados com os combates que afetam áreas densamente povoadas. As pessoas estão se refugiando em casa", disse o chefe da delegação do CICV no país, Alfonso Verdú Pérez.

A situação se agrava já que também há ameaça cidadãos estrangeiros, o que fez a comunidade internacional crescer o alerta. Nesta terça, os EUA afirmaram que um comboio humanitário do país, identificado com a bandeira americana, foi atacado em Cartum.

Segundo o secretário de Estado Antony Blinken, que falava no Japão, onde participa de encontro do G7 --grupo que reúne algumas das maiores economias globais--, os membros da comitiva estão seguros.

Mais cedo, Blinken, chefe da diplomacia americana, conversou por telefone separadamente com os dois principais generais sudaneses, em tratativas que chegaram ao acordo de cessar-fogo, depois frustrado.

No Twitter, o general Hemeti acusou as Forças Armadas de romperem a negociação, alegando que o regime "bombardeou áreas densamente povoadas e pôs civis em perigo". "Aguardamos mais conversas com o secretário de Estado dos EUA sobre a melhor forma de lidar com as violações."

Também nesta segunda, o embaixador da União Europeia (UE) no país, o irlandês Aidan O'Hara, foi agredido em sua residência por membros da milícia RSF. Ele não teria ficado ferido, mas sua casa foi roubada, segundo informaram altas autoridades do bloco europeu nesta terça.

No Twitter o espanhol Josep Borell, chefe da diplomacia da UE, condenou a violência, afirmando que o episódio viola o direito internacional. "A segurança das instalações diplomáticas e das equipes é uma responsabilidade primária das autoridades sudanesas".

Os acontecimentos observados nos últimos dias arriscam legar mais um golpe militar ao Sudão, que desde outubro de 2021 viu a expectativa de uma retomada democrática asfixiada. Naquele mês, liderados pelo general Abdel Fattah al-Burhan, militares interromperam um processo de transição democrática.

Alegando temerem o medo de uma guerra civil, eles dissolveram o Conselho Soberano, um órgão criado em 2019 para guiar o país até eleições gerais e composto por 11 membros -seis civis e cinco militares. Também em 2019, o ditador Omar al-Bashir, no poder por três décadas, havia sido destituído, e um modelo de partilha do poder entre civis e militares foi criado de maneira temporária.

O conflito que eclodiu no último fim de semana opõe militares liderados por Abdel Fattah al-Burhan e aqueles fiéis a Mohamed Hamdan Dagalo, ou Hemedti, até então o segundo na hierarquia do regime golpista. O RSF, que ele lidera, foi formada em 2013 e tem origem na milícia Janjaweed, acusada de violência étnica e mesmo genocídio no conflito que se desenrola na cidade de Darfur.

Ainda nesta terça-feira, o general sudanês Shams El Din Kabbashi, do lado do regime militar, afirmou em entrevista ao canal árabe Al Arabiya que dois países da vizinhança estão tentando fornecer ajuda militar à milícia RSF --sem, no entanto, nomear quais seriam essas nações.