Romance de chefe da OEA foi violação ética sem conflito de interesse, diz investigação

Por MAYARA PAIXÃO E THIAGO AMÂNCIO

SÃO PAULO, SP, E WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - O relatório de uma investigação iniciada a pedido da Organização dos Estados Americanos (OEA) e divulgado nesta segunda (17) aponta que o secretário-geral do órgão, do qual o Brasil faz parte, violou regras éticas ao se envolver com uma subordinada, mas não a favoreceu nem esbarrou em conflito de interesses.

O uruguaio Luis Almagro é alvo de fritura e malquisto por alguns Estados-membros, que o acusam de instrumentalizar o cargo para perseguir governos à esquerda. Mas era o caso do relacionamento pessoal o que poderia balançar sua posição à frente da organização.

Divulgado somente aos países-membros nesta semana, o relatório de mais de cem páginas produzido pelo escritório de advocacia Miller & Chevalier, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, diz que Almagro não violou regras relativas a assédio, conflitos de interesse ou benefícios salariais.

Ainda assim, a investigação independente afirma que Almagro violou obrigações éticas da função de secretário-geral ao manter a relação com a funcionária e, mais do que isso, permitir que ela continuasse fazendo parte de sua equipe de assessores pessoais.

O documento, porém, diz que o uruguaio, que foi chanceler durante o governo de José "Pepe" Mujica, não violou o preceito ético de maneira intencional. "As evidências documentais e de testemunhos [21 pessoas foram ouvidas] revela que não se configurou uma violação intencional das obrigações éticas", afirma um trecho do material.

A denúncia sobre o caso de Almagro com a funcionária foi primeiro feita por uma pessoa anônima e, depois, tornada pública pela agência Associated Press, que mostrou como a mulher acompanhou Almagro em 42 de 92 viagens oficiais durante os quatro anos de relação.

O material diz que o uruguaio errou ao permitir que a funcionária se autodenominasse assessora de seu gabinete embora não exercesse oficialmente essa função. O caso também despertou nos corredores da organização críticas sobre benefícios concedidos a ela e suspeitas de machismo.

O relatório foi concluído no último dia 10, mas levado aos Estados-membros somente nesta segunda-feira para dar tempo a Almagro de responder formalmente. O uruguaio o fez em um documento de dez páginas, ao qual a reportagem também teve acesso.

Almagro diz que as conclusões reafirmam que ele "atuou com a máxima transparência, priorizando sempre os interesses da OEA e suas regras". Mas não deixa de fazer críticas: "Não existe responsabilidade ou obrigação de dar explicações públicas ou detalhes sobre relações pessoais para acalmar um 'ambiente tenso' que, se de fato existiu, esteve sem dúvidas baseado em meras curiosidades sem justificativa".

Um dos mais ávidos críticos de Almagro na organização é o México, que, como mostrou a Folha de S.Paulo, tentou mobilizar a diplomacia brasileira para apoiar que mais investigações sejam feitas contra o uruguaio --uma delas incluindo o controverso encerramento do contrato do brasileiro Paulo Abrão, até 2020 secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), um braço da OEA, que chegou a ser indenizado por Almagro.

Mas também cresce a pressão interna para que o governo de Joe Biden, nos EUA, eleve as críticas contra o secretário-geral. Nesta terça-feira (18), Washington comentou a divulgação do relatório independente.

Segundo o diretor sênior para Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, Juan Gonzalez, os EUA revisaram o documento e concluíram que não houve violação ética, por isso vão continuar a trabalhar com Almagro.

"Temos tolerância zero para violações éticas", disse o americano nesta terça. "Nós não podemos não trabalhar com a OEA. O órgão nos organiza e atua sobre uma série de problemas de governança e desafios econômicos e não envolve personalidades."

A ação mais questionada da gestão de Almagro é o resultado da missão de observação eleitoral na Bolívia em 2019, que apontou fraude na tentativa de Evo Morales de conquistar seu quarto mandato. A conclusão da OEA foi considerada um dos gatilhos para a mobilização que levou à renúncia de Evo e à chegada de Jeanine Áñez ao poder, no que a Justiça boliviana considerou depois um golpe de Estado. Diversos estudos posteriores à missão eleitoral questionaram as conclusões da OEA sobre fraude naquele pleito.