Premiê da Holanda diz que tem mais a discutir com Lula do que Guerra da Ucrânia

Por CLARA BALBI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acerca da Guerra da Ucrânia podem ter gerado controvérsia. Mas, no que cabe à Holanda, há outras questões na mesa, afirma o primeiro-ministro do país, Mark Rutte, que se reúne com o petista em Brasília nesta terça-feira (9).

"É claro que a Ucrânia será um tema, não há dúvida disso. Mas quando penso no objetivo final dessa relação [entre o Brasil e a Holanda], ela não é só sobre a Ucrânia", afirma o premiê à Folha, citando temas como a Amazônia, a luta contra o desmatamento e a transição energética.

Rutte falou ao jornal nesta segunda-feira (8), durante passagem por São Paulo, onde esteve com o governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Além de Brasília, o holandês ainda visita o Ceará antes de retornar à Amsterdã na quarta-feira (10).

"Primeiramente, estou feliz que Lula seja presidente", diz o premiê. A afirmação pode indicar que o entusiasmo do Ocidente com a eleição do petista não diminuiu tanto assim depois de uma série de falas do brasileiro durante sua viagem à China, vistas como altamente controversas.

Em Pequim, ele disse que era preciso que os EUA parassem "de incentivar a guerra e começassem a falar em paz" --declaração taxada de "profundamente problemática" pelo porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, John Kirby. Depois, em uma parada em Abu Dhabi, Lula voltou a afirmar que Kiev também tinha responsabilidade pelo conflito com Moscou.

Os atritos no campo político fizeram interlocutores de governos estrangeiros verem no episódio o fim da lua de mel da gestão Lula com governos ocidentais, alguns dos quais demonstraram alívio após a saída de Jair Bolsonaro (PL) da Presidência.

Mas ao menos Rutte diz estar confiante no governo. "Nunca concordo em relação a tudo com meus pares", diz o premiê, acrescentando que provavelmente usará seu encontro com Lula para argumentar porque a Guerra da Ucrânia é uma questão existencial para a Holanda.

A visão de Rutte, no poder desde 2010, não é nada desprezível quando se trata do conflito. Além de membro da Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA, a Holanda é o quinto país que mais doou recursos militares, humanitários e econômicos para o país invadido desde o início dos enfrentamentos segundo dados do Instituto para a Economia Mundial de Kiel, na Alemanha.

Também é o quinto da lista que considera o tamanho das doações em relação ao PIB dos países -é antecedido por nações que integravam a União Soviética, caso de Letônia, Estônia e Lituânia, nesta ordem, e pela Polônia, que faz fronteira com o país invadido e recebeu mais de um milhão de refugiados da guerra.

Na semana passada, durante encontro com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em Haia, Rutte afirmou que estava discutindo com outros membros a possibilidade de enviar caças à Ucrânia. "Sobre os F-16s: sem tabus", disse ao lado de seu homólogo belga, Alexander de Croo.

O tabu, no caso, é a possibilidade de que a Rússia use as doações cada vez mais vultosas de membros da Otan como justificativa para uma escalada da guerra --nuclear, inclusive. O governo de Vladimir Putin frequentemente se queixa do envolvimento cada vez mais direto dos membros da aliança no conflito.

Rutte diz que o argumento de Moscou não faz sentido. "A Ucrânia não pediu que a Rússia invadisse o seu país; foi a Rússia, sem qualquer razão ou provocação, que o fez. Então nós estamos fazendo nossa parte. [A guerra] não contraria só os nossos valores, mas também nossa segurança. Precisamos ajudar a Ucrânia a combatê-la."

Mas, prossegue, a discussão em relação aos caças segue em andamento com nações parceiras. Até agora, só Polônia e Eslováquia se comprometeram com o envio de aeronaves do tipo, o que já foi considerado um avanço sobre a "linha vermelha" estabelecida pelo Kremlin.