Salvos das crises, turcos na Alemanha preferem Erdogan por religião e estabilidade

Por VICTOR LACOMBE

BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Ahmed Demirdogen, 57, é turco e mora há 20 anos na Alemanha. Ele trabalha como segurança de um supermercado em Berlim e diz que votou em Recep Tayyip Erdogan nas eleições do último dia 14 "porque ele fez a Turquia avançar de 0 a 100" --e que vai votar nele de novo no segundo turno, que acontece no próximo domingo (28).

Conversando com a reportagem por meio de um intérprete, que traduziu do turco para o alemão, Demirdogen diz que enxerga avanços constantes nos índices de emprego na Turquia e que gosta do estilo de liderança de Erdogan. Mas o principal motivo que o faz ir às urnas é que trocar de governo agora seria um grande risco, diz. "Toda grande mudança tem dois lados."

Burak (nome fictício), homem de origem turca na faixa dos 30 anos e que preferiu não ser identificado, trabalha em um restaurante na mesma região e também explica por que prefere Erdogan. "Ele é muçulmano, e eu não voto em quem não é muçulmano". Na verdade, o opositor Kemal Kilicdaroglu também é muçulmano, mas diferente da maioria do país, não é sunita. "Não me interessam as críticas, o que me interessa é que [Erdogan] é forte e faz o que ele diz que vai fazer".

As razões dadas por Demirdogen e Burak --estabilidade e religião--, são os principais motivos identificados por especialistas que estudam a diáspora turca na Alemanha para explicar por que Erdogan tem tanta força entre os turco-alemães.

Ao todo, 3,25 milhões de turcos que moram no exterior podem votar nas eleições, cerca de 5% do eleitorado. Quase metade --1,5 milhão--, está na Alemanha. Enquanto o primeiro turno acabou com 49% dos votos para Erdogan e 44% para Kilicdaroglu, o resultado teria sido bem diferente se apenas os turco-alemães votassem: o atual presidente teria encerrado a disputa com folga com quase 65% dos votos contra 32% do opositor.

A preferência por Erdogan na Alemanha tem base na identificação com o partido e com o candidato, principalmente em gerações mais antigas, afirma Haci-Halil Uslucan, psicólogo e professor de Estudos Turcos na Universidade de Duisburg-Essen. "Muitos turcos na Alemanha não são afetados pessoalmente nem pela repressão na Turquia nem pela economia fraca do país. Sem esses dois fatores, sobra a identificação com a figura do líder forte e da estabilidade representada por Erdogan."

Uslucan participou de um evento do Centro Alemão de Pesquisas de Integração e Migração (DeZIM), em Berlim, que apresentou nesta terça-feira (23) uma pesquisa sobre as posições políticas da comunidade turca na Alemanha. O estudo entrevistou 738 pessoas de origem turca de março a abril de 2023, e 84% dos entrevistados descreveram a eleição presidencial como importante ou muito importante para a economia e parao sistema político da Turquia.

O mesmo levantamento também apontou que 65% dos participantes se dizem interessados no resultado do pleito, com os outros 35% dizendo não ter interesse na disputa. Dos interessados, 74% tem direito a votar --ou seja, possuem tanto a cidadania turca quanto a alemã.

Para Uslucan, o AKP, partido de Erdogan, tem forte infraestrutura de cabos eleitorais na Alemanha, enquanto a oposição, liderada agora pelo CHP, de Kilicdaroglu, é mais difusa. Ele cita como exemplo as mesquitas --ainda que não se fale abertamente de política nos templos do islamismo, é forte a preferência nesses ambientes por Erdogan e por partidos conservadores e de direita, diz o professor.

Além da Alemanha, o forte apoio a Erdogan se repetiu em outros países da Europa Ocidental, como França (64%) e Áustria (71%), um contraste com a larga vantagem de Kilicdaroglu nos EUA (80%), por exemplo. De acordo com o estudo do DeZIM, essa diferença se explica pelo perfil do imigrante.

Enquanto muitos turco-americanos tem origem na população curda ou na classe acadêmica, a imigração para a Europa Ocidental se deu nos anos 1950 e 1960 por meio dos chamados "trabalhadores convidados" --imigrantes que auxiliavam na reconstrução econômica pós-guerra e que tinham origens mais pobres ou em regiões conservadoras.

Tuba Bozkurt, vereadora de Berlim pelo Partido Verde que também participou do evento, aponta ainda uma razão socioeconômica para a preferência por Erdogan. "Quando falta acesso à educação, acesso a mais chances e a condições econômicas melhores, quando se coloca um jovem em uma posição sem perspectivas, é fácil acatar as visões políticas de gerações antigas e mais conservadoras."

Na capital alemã, a votação refletiu melhor os resultados gerais, com 49% votos para Erdogan e 48% para Kilicdaroglu. Uma das apoiadoras do político de oposição em Berlim é Hatice Kara, 52, que trabalha em uma loja de frutas no bairro de Kreuzberg.

"[Erdogan] trata a oposição como inimigo do Estado turco", diz Kara. "Rivais são perseguidos enquanto funcionários do partido vivem com privilégios."

Ela diz que votou em Kilicdaroglu porque o seu partido, o CHP, é o mesmo de Kemal Atatürk, o fundador da Turquia moderna. Tanto Erdogan quanto seu adversário reivindicam para si o legado do militar que fundou a República da Turquia depois da Primeira Guerra Mundial --apesar do fato de que o general era fortemente secularista, enquanto o atual mandatário se apoia no islamismo como pilar da sua filosofia política. "Atatürk provavelmente não concordaria com as políticas de Erdogan", opina Kara.

QUANTOS SÃO E COMO VOTAM OS TURCOS NA ALEMANHA

Maioria prefere o atual presidente, Recep Tayyip Erdogan

2,9 milhões

É o número de pessoas nascidas na Turquia ou descendentes de turcos na Alemanha

1,5 milhão

desses turco-alemães está apto a votar. 732 mil foram às urnas, dos quais...

65%

preferiram Erdogan, enquanto outros 32% votaram em Kilicdaroglu