Governo Lula transforma vinda de Maduro para cúpula em visita especial
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu ao ditador venezuelano, Nicolás Maduro, uma recepção feita a poucos chefes de Estado que vieram ao Brasil desde a sua posse, em 1º de janeiro.
Nesta segunda-feira (29), o petista realizará três agendas com o líder venezuelano, além de oferecer um almoço para Maduro e sua esposa, Cilia Flores de Maduro, no Palácio do Itamaraty.
Visitas de chefes de Estado em geral são anunciadas com antecedência, mas os eventos com o ditador só foram divulgados na manhã desta segunda, dia em que foram realizados. O governo brasileiro comunicou na sexta (26), por exemplo, a visita do presidente da Finlândia, Sauli Niinistö, que ocorrerá na quarta (31) e na quinta (1º).
Maduro não pisava em solo brasileiro desde a posse do segundo mandato de Dilma Rousseff, em 2015.
O ditador venezuelano chegou ao Palácio do Planalto por volta de 10h30 e foi recebido por Lula na extremidade da rampa presidencial. Os dois posaram para fotos juntos, antes de começarem a série de agendas. Foram assinados dois atos durante o encontro: um memorando de entendimento de matéria agroalimentar e um mecanismo de supervisão da cooperação bilateral entre os países.
Maduro registrou em suas redes sociais a chegada a Brasília, na noite de domingo (28). No entanto, o Palácio do Planalto ainda não havia confirmado o encontro entre os dois líderes, e a agenda do presidente Lula, cuja divulgação sempre é feita no dia anterior, só foi publicada na manhã desta segunda-feira.
O petista faz uma reunião privada com o ditador no Palácio do Planalto. Depois, haverá um encontro ampliado com o venezuelano, o que indica que assessores, e possivelmente ministros, também participarão. Na sequência, ocorreu uma cerimônia para assinatura de atos e, às 13h30, um almoço para Maduro e sua esposa no Palácio do Itamaraty, sede da chancelaria brasileira.
Segundo o governo, a reunião entre os dois líderes serviria para repassar o processo de normalização da relação entre os países, retomada após a posse de Lula, com a reabertura de embaixadas e consulados. O novo embaixador venezuelano, Manuel Vicente Vadell Aquino, já apresentou as credenciais em Brasília.
"Será ocasião, também, para que os presidentes conversem a respeito dos processos de diálogo interno na Venezuela, com vistas à realização das eleições de 2024", disse o Planalto em comunicado.
O governo também afirmou que seriam discutidos outros temas para melhorar o diálogo entre Brasil e Venezuela, incluindo a recente missão a Caracas organizada pela Agência Brasileira de Cooperação, que contou com representantes de mais de 20 órgãos brasileiros. Também estariam no foco temas fronteiriços, com destaque para a população que vive nessas regiões, como os ianomâmis.
"O comércio bilateral alcançou cerca de US$ 1,7 bilhão [R$ 8,49 bilhões] em 2022, com exportações brasileiras de US$ 1,3 bilhão [R$ 6,49 bilhões] e importações de quase US$ 400 milhões [R$ 1,9 bilhão]. O intercâmbio entre os países chegou a alcançar US$ 6 bilhões [R$ 29,9 bilhões] em 2013, o que demonstra o potencial da relação e enseja o aprofundamento do diálogo para a retomada das parcerias econômicas, da complementaridade de cadeias produtivas e da remoção de obstáculos ao comércio", conclui a nota.
O propósito inicial da vinda de Maduro ao Brasil é a participação no encontro com 11 líderes da América do Sul, que Lula realizará nesta terça (30) em Brasília ?o presidente busca uma forma de integração que seja permanente e que conte com as 12 nações da região. Com exceção de Dina Boluarte, do Peru, que enfrenta impedimentos constitucionais, todos os outros 11 líderes confirmaram presença na capital.
Até então, assessores do Planalto indicavam que Lula teria uma conversa com Maduro na reunião. No entanto, em nenhum momento trataram a vinda do ditador ao Brasil como uma visita de chefe de Estado.
O líder venezuelano não visitava o Brasil havia oito anos. Em 2019, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) editou uma portaria proibindo a entrada de autoridades de alto escalão do país, proibição que foi revogada no final do ano passado. O então líder brasileiro reconheceu à época Juan Guaidó, então líder da oposição venezuelana, como chefe de Estado legítimo da Venezuela.
Em março, Celso Amorim, assessor especial da Presidência para política externa, viajou a Caracas, onde se reuniu com Maduro e, separadamente, com membros da oposição ao regime. As eleições, programadas na Venezuela para 2024, e a dívida de US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) que o país acumula com o Brasil foram abordadas por Amorim, que também sinalizou a intenção do Brasil de assumir maior protagonismo nas negociações com a oposição, hoje transcorrendo a passos lentos no México.
Em abril, Lula assinou um decreto oficializando o retorno do Brasil à Unasul (União das Nações Sul-Americanas), órgão que o país deixou no governo Bolsonaro. A retomada foi criticada pelo presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que já coleciona fricções com o Mercosul devido às travas que Brasil e Argentina têm colocado à ambição de seu país de assinar um tratado de livre comércio com a China.
A Unasul foi criada em 2008 e chegou a ter como membros 12 países. Com o tempo, a aliança se desgastou. Criticada por ter forte alinhamento à esquerda, com Lula, o venezuelano Hugo Chávez (1954-2013), o argentino Néstor Kirchner (1950-2010) e o equatoriano Rafael Corrêa como principais líderes, começou a cair em descrédito após a esquerda perder eleições e ser substituída pela direita.
A Colômbia saiu em 2018; no ano seguinte, foi a vez de Argentina, Brasil, Chile e Paraguai.