Rússia diz ter destruído último navio de guerra da Ucrânia

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Rússia anunciou nesta quarta (31) ter destruído o que chamou de forma imprecisa de "o último navio de guerra da Ucrânia". Não houve confirmação ou negativa por parte de Kiev, mas relatos de observadores dos dois lados dão credibilidade à alegação.

A embarcação atingida por um ataque com mísseis de precisão era o navio de desembarque anfíbio Iuri Olefirenko, um modelo soviético em operação desde 1970 que, de certa forma, espelhou a turbulenta relação entre a Rússia e a Ucrânia após a dissolução do império comunista em 1991, que hoje explode na invasão iniciada em 2022 por Moscou.

Segundo o Ministério da Defesa russo, o navio foi a pique no porto de Odessa há dois dias. Ele chegou a ser dado como um dos barcos apreendidos pelos russos no começo da guerra, quando tomaram portos da costa sudeste ucraniana, no mar de Azov, um braço do mar Negro.

O relato foi desmentido quando o Olefirenko surgiu em imagens em junho passado, escapando por pouco de um ataque de artilharia russo. Na prática, contudo, a Marinha ucraniana havia sido imobilizada pela invasão.

Antes da guerra, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, ela tinha 5 navios de combate principais, como fragatas, 12 de patrulha costeira e 8, de logística. No começo deste ano, tinha 13 de patrulha, mas perdeu modelos maiores, como corveta, substituídas por modelos menores provavelmente doados pela Otan (aliança militar ocidental), e segue com os 8 logísticos parados em portos.

Não que a situação russa seja muito melhor, como talvez o maior vexame militar sofrido por Moscou na guerra, o afundamento da nau capitânia da Frota do Mar Negro, o cruzador Moskva, provou em abril do ano passado.

Só que o Moskva não afundou devido a um combate com outros navios, e sim por um ataque com mísseis Netuno, lançados da costa ucraniana. Ele não tinha papel central na guerra, também, mostrando que Moscou tem operado no mar Negro, em que supostamente tem total domínio, com um certo pé no freio.

Corvetas menores e, raramente, submarinos são usados para lançar mísseis de cruzeiro contra alvos ucranianos. A zona de exclusão russa em torno da Crimeia, península anexada em 2014 que sedia sua frota local, tem sido testada apenas por eventuais ataques com drones submarinos que Moscou diz serem fornecidos por britânicos.

Na semana passada, a mídia ucraniana divulgou que o navio de espionagem russo Ivan Khurs havia sido afundado ou danificado por drones marinhos, mas a Frota do Mar Negro publicou imagens suas voltando a salvo à sede da unidade, em Sebastopol.

Analistas consideram que o Kremlin quer poupar seus ativos para situações futuras, em especial após a perda do Moskva, o que não implica superioridade naval ucraniana -ao contrário. Ao mesmo tempo, como ataques anteriores a embarcações russas e alvos na Crimeia mostraram, a fragilidade defensiva da frota do Kremlin chama a atenção.

A história do Oleg Olefirenko acompanha a da Marinha ucraniana. Quando a União Soviética acabou, tecnicamente a Ucrânia ficou com a Crimeia, território russo cedido em 1954 para Kiev em uma mesura do então líder Nikita Kruschov ao seu berço político.

Houve, contudo, uma revolta de oficiais da Frota do Mar Negro, predominantemente russos, que envolveu também a vizinha Geórgia, que também ficava sob a jurisdição da unidade militar. Após muita confusão, em 1995 foram acertados termos iniciais de partilha das frotas, e dois anos depois estabelecido que os russos poderiam ficar com sua base em Sebastopol até 2017.

Em 2010, o governo pró-Moscou que voltou ao poder em Kiev estendeu o prazo até 2042, causando irritação na oposição pró-Ocidente. Quatro anos depois, Vladimir Putin tornou tudo fato consumado ao absorver a Crimeia -e tomando boa parte dos navios ucranianos na região, devolvidos depois.

Assim, mesmo antes da guerra os recursos de Kiev no mar eram limitados. O sucesso contra o Moskva e a retomada da estratégica ilha da Cobra, que os russos ocuparam sem condições de defesa quase perto da costa romena, ofuscaram esse fato.

O Oleg Olefirenko não estava em condições de jogo, ainda mais pela vulnerabilidade de Odessa a ataques aéreos. Mas, em meio ao recrudescimento da violência da guerra, à espera da contraofensiva de Kiev e com ataques com drones até em Moscou, virou um ativo para a retórica do Kremlin.