Nova-iorquinos voltam às ruas após dia como 'a cidade mais poluída do planeta'
NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - Após a cidade de Nova York enfrentar a pior crise atmosférica desde os anos 1960 nesta quarta (7), causada pela fumaça de dezenas de incêndios florestais no Canadá, autoridades locais estenderam o alerta de saúde pela qualidade do ar até pelo menos o meio-dia de sexta (9).
Durante 24 horas, afinal, Nova York se tornou a cidade mais poluída do planeta. Moradores perplexos postavam fotos da cidade sob uma camada laranja que reduziu radicalmente a visibilidade e provocou múltiplos cancelamentos de voos nos três grandes aeroportos locais. Muitos comparavam a paisagem à superfície de Marte.
Como consequência, visitas a emergências de hospitais nos cinco bairros de Nova York aumentaram. Todas as escolas cancelaram o recreio ao ar livre, e vários distritos escolares da região metropolitana suspenderam aulas nesta quinta-feira (8).
Dez minutos depois de iniciar o monólogo da peça Prima Facie, na Broadway, a atriz Jodie Comer disse "não consigo respirar" e deixou o palco da produção. A premiada estrela da produção solo foi substituída por Dani Arlington ainda na noite de quarta-feira. Dois musicais da Broadway, Hamilton e Camelot, suspenderam performances porque membros dos elencos se queixaram de problemas respiratórios.
Duas noites da popular série de verão Shakespeare no Parque, que apresenta Hamlet no Central Park, também foram canceladas.
A governadora Kathy Hochul e o prefeito Eric Adams pediram à população para ficar em casa quando possível -e de janelas fechadas. E enfatizaram cuidados especiais com grupos mais vulneráveis como idosos, crianças pequenas e pessoas que sofrem de problemas respiratórios. Não se sabe quantos residentes sofrem de sintomas da chamada "Covid longa", mas sintomas costumam incluir problemas pulmonares.
A cidade de Nova York disponibilizou 400 mil máscaras do tipo N95 para distribuição em estações de metrô, ônibus e trens. Autoridades de saúde pediram que, além de evitar esforço ao ar livre, ninguém saísse da casa sem máscara de proteção.
Mas uma visita à Times Square no final da manhã de quinta-feira sugeria que turistas e nova-iorquinos viram nos primeiros sinais de alívio da fumaça um estímulo para sair à rua, correr, pedalar e até frequentar restaurantes ao ar livre, a maioria sem máscara.
Uma turista polonesa que se identificou apenas como Dora posava para fotos com a filha de um ano e disse que havia passado a tarde da véspera na rua com a criança sem máscara. "Planejei a viagem por muito tempo," disse, deixando claro que não ia ficar no hotel.
Uma guarda de segurança contratada pela coalizão que reúne teatros, restaurantes e hotéis da região de Times Square e disse que não podia se identificar contou que, nas piores horas de poluição na quarta-feira, viu turistas sofrendo acessos de asma e outros abandonando teatros.
A volta de muitos às ruas, contrariando apelos do governo, pode se explicar pelo fato de que a nuvem laranja havia desaparecido na quinta-feira de manhã. Mas a cor e a visibilidade não determinam sozinhas o risco respiratório. O ar mais claro, afinal, não elimina automaticamente a presença das minúsculas partículas poluentes que são absorvidas pelo sangue, aumentando risco de várias doenças.
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Stanford estimou que incêndios florestais causam prejuízos anuais de US$ 125 bilhões para os americanos por horas de trabalho perdidas.
No canteiro de construção de um novo hotel na esquina da Sétima Avenida com a rua 47, em Times Square, um grupo de operários disse à Folha que, em nenhum momento, durante a crise da véspera, o trabalho na obra foi interrompido.
O desconforto maior, disseram, afetou a turma que trabalhava na construção no topo, no 45º andar, já que a nuvem de fumaça apresentava maior concentração de partículas em maiores altitudes.
Na tarde de quarta-feira, o aplicativo da EPA (agência federal de meio ambiente) que atualiza informações sobre a qualidade do ar em qualquer local do país registrava mais acessos do que o Facebook.
O Índice de Qualidade de Ar usado como padrão nos EUA vai de 0 a 500, com até 50 indicando boas condições atmosféricas. Nova York bateu um recorde de 480 na quarta e, na tarde de quinta, o índice caiu para 170, ainda prejudicial à saúde. A previsão para sexta é um índice de 120, considerado de risco para grupos vulneráveis.
Novos eventos de esportes e outros que marcam o começo do verão americano ainda podem ser cancelados. No Belmont Park, principal pista hípica do estado, a leste de Manhattan, uma esperada competição anual, marcada para sábado, vai depender da qualidade do ar e os animais devem passar por exames veterinários para serem liberados.
Os purificadores de ar para residências desapareceram das lojas, e sites como Amazon e Walmart aumentaram o prazo de entrega.
Uma modesta previsão de chuva para a sexta-feira trouxe reações de alívio entre nova-iorquinos. Mas os incêndios florestais do Canadá que inspiraram comparações de Nova York ao planeta Marte estão longe de ser um evento extraterrestre. São sintomas prováveis da emergência climática que introduz uma nova e assustadora normalidade.