Votação em Ohio vira laboratório de estratégia republicana contra o aborto

Por FERNANDA PERRIN

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Uma decisão da Suprema Corte do ano passado revogou, na prática, o direito ao aborto nos Estados Unidos, deixando a cargo de cada estado definir sua própria lei. Nas urnas, no entanto, a vitória conservadora na Justiça vem se transformando em diversas derrotas para os republicanos desde então.

O apoio ao direito ao aborto já saiu vencedor em plebiscitos organizados em Kentucky, Michigan, Vermont, Montana e Califórnia, por exemplo.

Do outro lado, aproveitando a mudança de entendimento da corte, estados tradicionalmente mais conservadores "ressuscitaram" legislações mais restritivas contra o procedimento, sem submeter o tema ao voto popular. Atualmente, o aborto é ilegal em 14 estados -entre eles, Alabama, Idaho e Texas-, segundo levantamento do Centro para Estudos Reprodutivos.

Assim, o país acompanhou com atenção uma votação em Ohio nesta terça-feira (8). A questão colocada aos eleitores --se o percentual necessário para alterar a Constituição do estado deve ser elevado para 60%, em vez de maioria simples-- tem como pano de fundo uma votação prevista para novembro sobre a inclusão do direito ao aborto no texto constitucional.

Ou seja, a estratégia dos republicanos, que defendem o aumento do percentual para 60%, é dificultar uma vitória pró-aborto no final do ano. Democratas, por sua vez, fizeram campanha contra a mudança.

Para efeito de comparação, a inclusão do direito ao aborto na Constituição de Michigan no ano passado foi aprovada com apoio de 56,7% dos eleitores.

Com 25% dos votos apurados, vencia a resposta "não" à "Issue 1" (questão 1, como ficou conhecida no país). Uma rejeição ao projeto, se confirmada, significaria mais uma vitória para o campo progressista e para o partido do presidente Joe Biden, que se beneficiou do apoio ao direito ao aborto nas eleições do final do ano passado --a defesa da interrupção da gravidez levou muitos eleitores progressistas às urnas, frustrando a propagandeada vitória acachapante da oposição.

Já a aprovação indicaria uma estratégia eficaz a ser replicada por republicanos na tentativa de impedir a garantia do direito ao aborto nos estados onde seus eleitores são maioria.

A tendência que as pesquisas apontavam era de derrota. Um levantamento do jornal USA Today/Universidade de Suffolk de julho mostrou que 57% dos eleitores de Ohio se diziam contra a mudança. Percentual semelhante (58%) afirmava apoiar a emenda para incluir o direito ao aborto na Constituição do estado. A margem de erro era de 4,4 pontos percentuais para mais ou para menos.

Independentemente do resultado, porém, a esperança dos democratas é que o efeito do apoio ao direito de interromper a gravidez se mantenha nas eleições de 2024.

Uma pesquisa de opinião divulgada pela CNN nesta terça mostra que o tema do direito ao aborto continua sendo importante para o eleitorado: 29% dizem que só votariam em um candidato que compartilha suas opiniões no assunto. Outros 55% afirmam que considerariam a posição do candidato como um dos fatores importantes na hora de votar.

A pesquisa também aponta que 64% dos americanos são contrários à decisão da Suprema Corte e, mesmo entre quem é favorável, dois terços acham que a regulação cabe aos estados. Apenas 34% dizem que políticos devem buscar tornar a restrição ao aborto nacional -embora esse número venha crescendo.

O Centro para Estudos Reprodutivos, que apoia o direito ao aborto, classifica o cenário em Ohio de "hostil". Assinado pelo governador republicano Mike DeWine, o veto ao procedimento a partir do momento em que se detecta atividade cardíaca no feto entrou em vigor logo após a decisão da Suprema Corte.

A limitação foi vista como praticamente total, uma vez que, por esse critério, as interrupções são permitidas apenas até mais ou menos a sexta semana de gestação -quando é comum que mulheres nem sequer tenham percebido a gravidez ainda. A regra vale mesmo para casos de estupro e incesto.

A vigência da proibição, no entanto, foi suspensa após ser alvo de questionamentos na Justiça.

Em junho do ano passado, durante o curto período em que a limitação existiu em Ohio, uma vítima de estupro de dez anos de idade teve que viajar para um estado vizinho, Indiana, para interromper a gravidez resultante do crime. Atualmente, o direito ao aborto também é proibido em Indiana.

Apesar do caso ter gerado grande repercussão nacional, isso não se traduziu em vitória para os democratas nas eleições de meio de mandato. O governador DeWine se reelegeu com folga e, no Senado, o também republicano JD Vance derrotou com tranquilidade o democrata Tim Ryan.

O que chama mais atenção é que pesquisa realizada com eleitores na saída da votação mostrou que 43% dos eleitores de DeWine se diziam a favor do direito ao aborto. No caso de Vance, esse percentual era de cerca de 33%, de acordo com a CNN.