Crise climática se sobrepõe à racial e força DeSantis a desviar foco de campanha
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Mudanças no currículo escolar sobre a história negra americana e uma legislação anti-ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) são alguns dos feitos que Ron DeSantis gosta de propagandear em sua campanha pela vaga republicana na disputa pela Presidência dos EUA.
Agora, em um momento em que está sob crescente pressão por não deslanchar nas pesquisas, o governador da Flórida precisou cancelar eventos e concentrar esforços no estado para lidar com duas crises: a primeira, motivada por um crime de ódio racial, e a segunda, pelas mudanças climáticas.
Para o republicano, uma resposta firme a ambos os problemas pode fortalecê-lo. Por outro lado, se sua conduta for má avaliada, pode ser a pá de cal na sua candidatura.
Desde o último domingo (27), DeSantis está concentrado na preparação para a chegada do furacão Idalia nesta quarta (30). Autoridades meteorológicas preveem um furacão de categoria 3 -a mesma do Katrina, que gerou enorme destruição em 2005-, com ventos acima de 200 km/h.
O governador já declarou um estado de emergência e emitiu uma ordem de retirada de moradores em 22 dos 67 condados da Flórida. A previsão é que seja atingida a área entre Tampa e Tallahassee. Nesta terça (29), o furacão evoluiu da categoria 1 para a 2, e deve chegar à 3 rapidamente em razão das temperaturas do oceano acima do normal neste verão.
O Idalia chega aos EUA pouco depois de a tempestade tropical Hilary provocar enchentes e deslizamentos na Califórnia e em Nevada. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica prevê uma temporada de furacões, que vai de junho a novembro, mais agitada que o normal neste ano. A piora é atribuída às temperaturas recordes do Atlântico. Há risco de ocorrência de 6 a 11 furacões só na Costa Leste.
No ano passado, a Flórida já tinha sido atingida pelo que ainda é considerado o furacão mais letal registrado no estado. O Ian deixou 150 mortos, e DeSantis foi criticado por não ter disparado alertas de esvaziamento das casas a tempo.
"Nós temos visto eventos climáticos extremos. Esse é o novo normal", afirmou nesta terça Deanne Criswell, diretora da Fema (Agência Federal de Gerenciamento de Emergências), durante entrevista a jornalistas na Casa Branca.
Apesar da sequência de desastres naturais associados ao aquecimento global, o governador da Flórida assinou uma lei neste ano que impede autoridades estaduais e locais de usarem como critério o chamado ESG ao escolher prestadores de serviços e investimentos.
No ano passado, ele já havia aprovado uma legislação semelhante, impedindo a adoção dos parâmetros de boas práticas em fundos de pensão estaduais. Para o governador, ESG é uma tentativa das "elites de Davos" --em referência à sede do Fórum Econômico Mundial-- de "impor sua ideologia".
Durante o debate entre pré-candidatos republicanos na última quarta (23), DeSantis não respondeu se acredita que a mudança climática é resultado das ações humanas. Quando os moderadores pediram que os participantes levantassem a mão se achassem que sim, o governador se negou a participar do jogo, dizendo que ninguém ali era "criança de escola".
No caso dos estudantes da Flórida, a secretaria de educação do estado autorizou que professores incluam no currículo conteúdos da PragerU, uma organização conservadora que produz vídeos voltados à "promoção dos valores americanos".
Com abordagem lúdica, os materiais contradizem a ciência ao negarem o aquecimento global. Vídeo divulgado em fevereiro, por exemplo, afirma que a crise é energética, não climática, supostamente provocada por políticas contrárias aos combustíveis fósseis. Outros materiais da PragerU criticam energias renováveis, defendem que é natural o clima mudar ao longo do tempo, e atacam ativistas.
A crise climática à frente se soma à racial. No sábado (26), um homem branco, com histórico de atos racistas, matou a tiros três pessoas negras em uma loja em Jacksonville, na Flórida. Havia uma suástica na arma utilizada, de acordo com a polícia. O atirador se suicidou em seguida.
DeSantis estava em Iowa, estado-chave nas primárias por ser o primeiro a abrir as urnas. Ele voltou para a Flórida no dia seguinte, e participou de uma vigília em frente ao local onde os assassinatos ocorreram. Ele condenou o ataque, chamou o assassino de "canalha" e disse que não toleraria violência racista.
DeSantis foi alvo de vaias. "Com todo o respeito, governador, ele não era um "canalha". Ele era racista", respondeu o reverendo Jeffrey Rumlin, pastor de uma igreja local.
O governador, que declarou guerra ao que chama de "woke" -modo pejorativo de se referir a ideias de esquerda-, barrou no início do ano nas escolas da Flórida um curso de estudos afro-americanos, que acabou classificado pelo estado como "doutrinação". O conteúdo, voltado para alunos do ensino médio, previa leitura das obras de autoras como Angela Davis e bell hooks.
Nas últimas semanas, antes da volta das férias escolares americanas, o estado divulgou novas diretrizes educacionais. Uma delas prevê que estudantes do ensino fundamental aprendam como escravizados desenvolveram habilidades que, em alguns casos, podem ser aplicadas em seu próprio benefício.
Questionado por jornalistas, DeSantis usou como exemplo alguém que tenha sido ferreiro "e aproveitou isso mais tarde na vida".
Houve uma enorme repercussão negativa, inclusive da vice-presidente Kamala Harris. "Não havia nenhuma qualidade redentora na escravidão", disse, ao rejeitar um convite do governador para debater as novas orientações educacionais.
A tensão racial no estado levou a NAACP, uma das principais organizações pela defesa dos direitos civis nos EUA, a emitir um alerta para pessoas negras que planejassem viajar para a Flórida.
O grupo orienta "cuidado extremo", argumentando que as políticas de DeSantis -sobretudo as relativas ao controle de armas e sua campanha anti-woke- criaram um ambiente de hostilidade contra não brancos.
"Enquanto DeSantis pode fingir preocupação agora, o seu histórico fala mais alto do que suas palavras vazias", disse a deputada estadual democrata Angie Nixon, de Jacksonville. "É hora de ele verdadeiramente reconhecer o estrago que fez, pedir desculpas pela dor que causou, e ativamente trabalhar para desmantelar o sistema racista que ele ajudou a criar e cultivar."