Ditadura de Ortega confisca casa da escritora Gioconda Belli na Nicarágua
BOA VISTA, RR (FOLHAPRESS) - A ditadura de Daniel Ortega confiscou nesta segunda-feira (11) a casa da poetisa Gioconda Belli na capital da Nicarágua, Manágua, sete meses após haver retirado a nacionalidade dela e de mais de 300 opositores, ativistas, jornalistas e presos políticos do regime.
"Perdi muitas coisas, mas não me farão perder a minha dignidade. Acuso e denuncio [Ortega e Rosario Murillo, sua esposa e vice] por fazerem tanto mal ao país, guiados por sua ambição e cegueira vingativa. Prevejo para eles o terrível mas merecido fim de que sofrem os tiranos", afirmou Belli, que vive exilada na Espanha, ao jornal El País.
A casa de Camilo Castro Belli, jornalista e filho da escritora, também foi retida. Ele e a esposa, Leonor Zuñiga, também vivem no exílio, na Costa Rica.
Gioconda Belli vive hoje seu segundo exílio. Nos anos 1970, a poetisa participou das atividades revolucionárias que terminaram por acabar com a ditadura de Anastasio Somoza (1925-1980), sob a liderança da Frente Sandinista de Libertação Nacional --hoje o partido é liderado por Ortega.
Em seus tempos de sandinista, Belli chegou a fazer treinamento guerrilheiro em Cuba. Perseguida na Nicarágua, fugiu para o exílio, mas voltou após a revolução e construiu carreira na literatura. Com a repressão de Ortega e Murillo, voltou a se exilar.
"Nunca pensei que fosse viver duas vezes em uma ditadura", afirmou a escritora em entrevista à Folha de S.Paulo em 2021, já vivendo na Espanha. "É muito frustrante ter lutado tanto, ter acreditado tanto numa revolução e agora ver a Nicarágua voltar a estar sob a opressão de outro regime totalitário."
Os alvos da retirada da nacionalidade no início do ano foram acusados de serem "traidores da pátria", entre eles o também escritor Sergio Ramírez, que teve sua residência confiscada em julho e havia sido vice de Ortega no fim da década de 1980. O confisco de seus bens e propriedades já era esperado após a medida, que foi tomada em duas levas separadas por alguns dias em fevereiro.
Na ocasião, a primeira ação expulsou da Nicarágua 222 presos políticos, que foram enviados aos Estados Unidos e despojados de sua nacionalidade. Na semana seguinte, mais 94 opositores foram alvo da medida repressiva.
São considerados "traidores da pátria" pelo regime de Ortega e Rosario aqueles que "firam os interesses supremos da nação" ou "aplaudam a imposição de sanções contra o Estado da Nicarágua", por exemplo.
Na prática, a lei que determina esses delitos é usada contra críticos da ditadura e prevê, além da perda de cidadania, a supressão dos direitos políticos e da possibilidade de exercer cargos públicos de forma perpétua dos réus, que são considerados fugitivos e têm seus imóveis e empresas confiscados. Este último ponto tem sido realizado aos poucos pelo regime.
Nos últimos meses, a repressão na Nicarágua chegou às universidades e ao pensamento livre. Instituições como a Universidad Centroamericana (UCA), em Manágua, gerida por jesuítas, foi tomada pelo regime, que transferiu os bens da universidade para o Estado, trocou o reitor e indicou nomes para cargos de confiança.
A UCA teve o mesmo destino que outras 3.719 organizações da sociedade civil nos últimos cinco anos, incluindo 26 universidades privadas, de acordo com um levantamento da imprensa local, que atua no exterior diante da repressão do regime.