Anistia a líderes catalães não contraria Constituição e deve ser implementada, dizem juristas
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) - A anistia acordada entre o PSOE, do premiê Pedro Sánchez, e o Juntos Pela Catalunha (Junts), do líder exilado Carles Puidgemont, é fonte de controvérsias e alvo de protestos, mas é legal e deve ser implementada na Espanha, segundo dois juristas espanhóis especializados em direito constitucional e penal ouvidos pela Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (16).
As conversas aconteceram horas após Sánchez conseguir maioria no Congresso dos Deputados e ser eleito para mais quatro anos como primeiro-ministro. Para conseguir os sete votos do Junts e chegar à maioria que seu adversário falhou em alcançar, o socialista aceitou a anistia proposta pelo grupo.
O acordo diz respeito ao fato de que milhares de seguidores do Junts foram presos ou processados após proclamarem a independência da Catalunha sem respaldo legal em 2017. Puidgemont, então no governo de Barcelona, fugiu e vive desde então exilado na Bélgica.
"Na minha opinião, a lei, embora possa ser muito criticada politica e socialmente e tenha erros técnicos, não é, aparentemente, inconstitucional", afirma Miguel Ángel Presno Linera, professor de direito constitucional da Universidade de Oviedo. Para ele, o texto deve ser aprovado pelo Parlamento, mas quem vai decidir sobre sua legalidade é o Tribunal Constitucional, que tem funções semelhantes às do Supremo Tribunal Federal].
"O Tribunal Constitucional já afirmou, em 1986, que uma anistia não é necessariamente inconstitucional, mas 'excepcional' e aqui se justifica pela existência de circunstâncias excepcionais. Além disso, a declaração de inconstitucionalidade exige que não haja dúvidas sobre isso e, se houver, a lei é considerada constitucional", explica o jurista.
Newsletter Lá fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo *** Para o magistrado Ignacio González Vega, membro do grupo Juízes pela Democracia, do ponto de vista jurídico, a anistia pode ser implementada. "Evidentemente pode-se discutir, porque não é como nas ciências exatas. Mas eu acredito que é possível uma anistia de acordo com nosso marco constitucional ou de acordo com a Constituição espanhola de 1978. Se a lei for contestada perante o Tribunal Constitucional, deverá ser validada."
Linera resume as ideias dos dois lados do espectro político que estão atualmente em disputa. Para os que defendem a anistia, segundo ele, a tese é que a Constituição permite esse tipo de acordo e que ele deve servir para superar os conflitos do passado e avançar no caminho do diálogo político e social necessário para a coesão e o progresso da sociedade catalã.
Já os opositores da ideia, afirma Linera, defendem que a Constituição não permite anistias e que perdoar esses atos, que foram muito graves, é um ato de injustiça e uma afronta ao Estado de Direito. Argumentam ainda que as pessoas que cometeram esses atos não se arrependeram e que existe o risco de que voltem a fazer coisas semelhantes.
Alguns críticos levantaram o ponto de que a lei supõe uma ruptura do princípio de separação de poderes, já que, em última instância, é uma decisão que nasce no Executivo e que impacta resoluções do Judiciário.
González Vega discorda do argumento. "Isso não representa uma interferência no Poder Judiciário. Estamos falando de uma lei singular. Se essa lei singular for justificada, não deve afetar a separação dos poderes."
Segundo o magistrado, a lei da anistia, se aprovada, não passará a fazer parte da Constituição. "Ela se tornará parte do ordenamento jurídico. Não é uma reforma constitucional."
Linera explica na prática o que esta anistia vai abranger. "Significaria que essas pessoas ficariam excluídas de qualquer responsabilidade no âmbito penal, administrativo e contábil", diz, desde que sejam cumpridas três condições.
A primeira delas diz respeito ao recorte de tempo: só serão anistiados os atos realizados entre 1º de janeiro de 2012 e 13 de novembro de 2023. A segunda condição é temática, isto é, serão contemplados exclusivamente os atos realizados com a intenção de reivindicar ou promover a independência da Catalunha. Por último, a regra é de gravidade; crimes como homicídios, tortura e terrorismo não estão incluídos no acordo.