Chanceler argentina é mais pragmática que Milei e vem da 'universidade dos liberais'
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem quer arriscar qual será o futuro da política exterior da Argentina sob a batuta de Diana Mondino, nome confirmado por Javier Milei meses antes de eleito, pode trabalhar com o que se sabe da economista nos setores privado e acadêmico aos quais ela pertencia. Mondino, afinal, está estreando na política.
Baseados nessa trajetória que já soma quarenta anos, alguns dos que já conheciam a atuação dessa cordobesa de 65 anos usam adjetivos como "calma", "articulada" e "razoável" para descrevê-la.
"Sem dúvidas, ela demonstra mais pragmatismo que Milei e capacidade de colocar 'panos frios' em temas nos quais ele foi estridente [como a relação com o governo Lula]", diz o analista político Ignacio Labaqui.
Mondino tem no currículo passagens pelos conselhos administrativos de diversas empresas privadas e na gerência para América Latina da consultoria de risco Standard & Poor's (S&P), onde atuou em Nova York por oito anos. Durante esta campanha eleitoral, disse mais de uma vez que almejava ser "a voz do setor privado" na política.
Por quase duas décadas, ela tem lecionado na Universidade Cema, ligada ao Centro de Estudos Macroeconômicos da Argentina, think tank fundado no final da década de 1970 por egressos da Universidade de Chicago, o então berço do liberalismo econômico que forjou figuras como o ex-ministro da Economia do Brasil Paulo Guedes.
É por isso que a instituição é popularmente conhecida em alguns setores como "a universidade dos liberais". Uma pecha, aliás, da qual Mondino se orgulha --muito diferente da de "ultradireita". Mais de uma vez, ela disse que Milei não se enquadra nesse espectro. "Não temos políticas discriminatórias", afirmou ao espanhol El Mundo. Já sobre o liberalismo? "O mais liberal que se possa ser."
Mondino começou a forjar sua persona política e repaginar suas redes sociais há cerca de dois anos, quando deu início a participações em programas de TV para comentar a agenda econômica --afinal, a principal pedra no sapato do governo cessante Fernández-Kirchner.
Em debates ao vivo e em colunas em jornais como o La Nacion, a economista criticava a condução da política econômica nacional e o protecionismo frente a acordos externos. Mais recentemente, disse que a gestão cessante deveria "pedir desculpas de joelhos ao povo".
Até então, o membro razoavelmente conhecido de sua família era o marido, Eugenio Pendás, secretário de Obras Públicas no governo de Carlos Menem. Com ele, Mondino teve dois filhos: Francisco e Simón, esse último pai de Matteo, o neto que dominava as fotos das redes sociais da avó antes de a política passar a ser o objetivo principal.
Francisco Pendás, por sua vez, é visto como um dos principais articuladores da campanha do A Liberdade Avança, o partido de Milei e Mondino, na província de Córdova, uma nas quais Milei venceu no segundo turno. O empresário de 31 anos é mais um que reflete o perfil de homens jovens, com pouca ou nenhuma experiência política, que tocam a campanha do novo presidente argentino.
Javier Milei vinha ventilando o nome da economista para chefiar a política externa de um então eventual governo seu há meses. E colocou Mondino como primeira na lista de candidatos a deputado do partido em Buenos Aires nas eleições de outubro passado.
Ela foi eleita ao lado de outros 37 membros da sigla para compor o Congresso --cadeira que não ocupará, uma vez que estará na chefia do Palácio de San Martín, a sede da chancelaria
"Trata-se da primeira vez que a Argentina tem um presidente e uma chanceler que são ambos economistas; o governo sinaliza na direção de atrair mais investimentos e priorizar as relações com países vizinhos", afirma a economista Carola Ramón, do Cari, o Conselho Argentino de Relações Internacionais. "Quando alguém foca as relações econômicas e comerciais, pode de alguma maneira desideologizar os laços."
PARA BRASÍLIA, 'UMA PESSOA RAZOÁVEL'
Ao longo da campanha e em diferentes entrevistas, Mondino disse que o Paraguai deveria ser o primeiro país a ser visitado por ela. A realidade falou mais alto e, para distensionar o mal-estar com Brasília, foi o Brasil o estreante na lista da nova chanceler, no final de novembro.
Interlocutores do Itamaraty que acompanharam o encontro de cerca de 2 horas de Mondino com o chanceler Mauro Vieira dizem que a conversa afastou um cenário de ofensas extremas aberto por Milei (que chamou Lula de corrupto e comunista) e que Mondino deixou uma primeira impressão "favorável", mostrou-se "razoável" e "aberta a escutar".
A grande dúvida agora, manifesta um desses interlocutores, é se a chanceler terá suas posições respeitadas por Milei, ou se será desautorizada pelo chefe. Como ponto positivo na balança, mencionam o fato de que, mesmo por ser estreante na política externa, ela terá de se cercar de diplomatas de carreira da chancelaria argentina, cujo corpo técnico é considerado de alta qualidade.
A embaixada brasileira em Buenos Aires tem sondado que Mondino trará para sua equipe figuras que estavam à frente da diplomacia no governo Macri, mas ela ainda não fez anúncios públicos.
Para o analista Ignacio Labaqui, nestas semanas de governo eleito a economista demonstrou uma "postura de quem aprende rápido com as derrapadas e não as repete".
Refere-se a uma polêmica declaração de Mondino ao inglês The Telegraph dizendo que são os cidadãos das ilhas Malvinas que devem decidir sobre seu próprio futuro.
Frente ao tema histórico mais importante da política externa local, a agora chanceler foi chamada de "desmalvinizadora" por opositores, que a acusaram de colocar a vontade dos 3.000 habitantes das ilhas acima dos 46 milhões de argentinos. "Após isso, ela praticamente não falou mais sobre o assunto", destaca Labaqui.
Já sobre os principais temas regionais de política externa colocados na mesa, Mondino foi taxativa. Sobre o acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul, imbróglio que se arrasta por 20 anos, disse querer assiná-lo assim que possível. Em relação ao ingresso no Brics, por sua vez, reforçou o "não" dado por Milei.
O tema tampouco é consenso entre os argentinos. Ignacio Labaqui é um dos que veem a participação como dispensável. "É um bloco que 'no sumo ni resta' [não soma nem faz falta]", diz ele, mencionando disparidades entre as economias atuais do bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e Rússia) e as rivalidades históricas entre Pequim e Nova Déli.