Guerra da Ucrânia só acaba quando Rússia vencer, diz Putin

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com a confiança renovada após uma série de boas notícias no campo de batalha e na política, Vladimir Putin afirmou nesta quinta (14) que a Guerra da Ucrânia só vai acabar quando a Rússia "atingir seus objetivos, que não mudaram" desde a invasão do vizinho em fevereiro de 2022.

"Vou lembrá-lo do que estamos falando: a desnazificação da Ucrânia, sua desmilitarização, seu status neutro", afirmou ao responder uma questão na sua entrevista coletiva de fim de ano, tradição que havia sido quebrada no ano passado, sob o peso do insucesso russo na guerra naquele momento.

Putin fundiu o evento com outro, a tomada de perguntas de cidadãos selecionados por toda a Rússia, e encheu o pavilhão de congressos Gostini Dvor ("sala de estar"), a um quarteirão do Kremlin, com 600 jornalistas --inclusive alguns ocidentais, que também têm as eventuais questões submetidas ao governo antes de fazê-las.

Tudo isso visou dar um verniz de renovado ímpeto ao russo, não por acaso uma semana após ele dizer que irá disputar a reeleição em março, um segredo de polichinelo, mas tudo dentro do teatro político. A Ucrânia até tentou aguar o chope de festa lançando nove drones contra Moscou na madrugada, mas eles foram abatidos.

Putin falou como se estivesse nos dias de abertura da guerra, quando parecia que ia conquistar Kiev em horas -percepção dividida com o Ocidente, que, quando viu o fracasso tático dos russos, com tropas insuficientes e técnicas obsoletas, colocou todas as fichas na resistência de Volodimir Zelenski.

"Sobre a desmilitarização, se eles não quiserem chegar a um acordo, então nós seremos forçados a tomar outras medidas, incluindo militares. Ou iremos concordar sobre certos termos", afirmou, dizendo que a Rússia estava pronta para isso nas conversas que ocorreram com os ucranianos em Istambul, que foram abandonadas por Kiev porque implicariam tornar o país uma área neutra entre Moscou e a Otan (aliança militar ocidental), além de prever perda territorial.

Hoje, 20% da Ucrânia está ocupada, a contraofensiva lançada por Zelenski em junho fracassou e Putin está pressionando no leste do país, levando a uma crescente onda de desânimo entre seus apoiadores --que, nas contas do Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha), deram até outubro R$ 1,2 trilhão em ajuda aos ucranianos, equivalente a praticamente todo o PIB do país europeu antes da guerra.

Isso levou Zelenski a voar aos EUA para pedir que o Congresso não siga bloqueando a ajuda prevista pelo governo Joe Biden para 2024, de R$ 300 bilhões, sem sucesso até aqui. Putin tripudiou da situação no campo militar, dizendo que "os brindes uma hora vão acabar", acerca das armas ocidentais dadas a Kiev.

Rússia tem 617 mil na guerra

Putin falou pela primeira vez em número de soldados envolvidos no conflito, mas não em perdas. São impressionantes 617 mil, segundo ele, número alimentado em parte pelos 486 mil contratados e voluntários amealhados pelo Kremlin, além dos 320 mil reservistas que foram mobilizados no fim de 2022 para suprir a carência crônica de forças nas frentes.

Antes do conflito, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos contava 900 mil militares na Rússia toda. No ano passado, Putin fez o número saltar a 1,2 milhão, com a ampliação da base de forças profissionais, não conscritas.

Como a mobilização de 2022 foi muito impopular, com protestos e fuga de jovens do país, o presidente mudou de tática. Nesta quinta, reafirmou que "não há necessidade" de medidas como aquela neste momento.

A Ucrânia contava na virada do ano, segundo o instituto, com 688 mil militares --eram 200 mil antes da invasão, e toda sua população masculina de 18 a 60 anos, algo como 15 milhões de pessoas, está sujeita a mobilização.

Houve espaço para comentar lateralmente o motim dos mercenários do Grupo Wagner contra a cúpula militar em junho, de forma lateral, com Putin dizendo que essas entidades seguem ilegais e que seus integrantes estão agora sob o comando do Ministério da Defesa. Ele também ouviu questões acerca das condições no campo de batalha.

Discurso mira Ocidente

No mais, Putin retomou todos os temas de seus discursos sobre o conflito, que considera culpa do Ocidente devido à expansão da Otan rumo às fronteiras russas após o fim da União Soviética em 1991.

Impedir a adesão da Ucrânia e outros países ex-soviéticos ao clube americano é um imperativo estratégico russo há muitos anos, expresso quando o russo travou uma guerra com a pequena Geórgia em 2008 e anexou a Crimeia, em 2014.

Para temor daqueles que acreditam que Putin não se irá se satisfazer em fatiar o leste e o sul da Ucrânia num acordo de paz, apesar de usar o eufemismo "operação militar especial" para o conflito, Putin disse que ele "é uma guerra civil, porque russos e ucranianos são um só povo", enfatizando que o principal porto do vizinho, Odessa, "é uma cidade russa".

Ele já fez isso antes, mas o tom triunfal contrasta com o recolhimento após o fracasso em subjugar Kiev em 2022. Até a desnazificação, algo fantasioso apesar de a Ucrânia ter elementos neonazistas em suas Forças Armadas, foi lembrada, com o episódio do veterano ucraniano das SS de Adolf Hitler que foi homenageado numa visita de Zelenski ao Parlamento do Canadá.

No mais, elogiou a Turquia por seu papel crítico a Israel no conflito em curso em Gaza e falou muito de economia. Afirmou que a Rússia resistiu às sanções, lembrando que o país vai crescer 3,5% neste ano, mas reclamou da inflação, pouco acima de 8% nas previsões. Disse lamentar que isso impactou o preço dos ovos -e disse que come dez deles todo dia no café da manhã.

A um repórter do The New York Times, disse que espera que haja um acordo de troca de prisioneiros para libertar um jornalista e um militar americanos presos na Rússia.