Premiê da França 'esquece' agricultores ao elencar prioridades de governo

Por IVAN FINOTTI

MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) - O primeiro-ministro da França, Gabriel Attal, apresentou na Assembleia Nacional, em Paris, nesta terça (30), um abrangente discurso descrevendo as prioridades de seu governo, da energia ao tráfico de drogas, do salário mínimo ao sistema de saúde.

Apesar de pressionado pelo movimento dos agricultores em fúria, que cercam Paris desde a tarde de segunda, Attal reservou pouco tempo à classe no discurso que durou uma hora e 20 minutos.

Sua principal promessa foi a de que os fundos da PAC (Política Agrícola Comum), sistema de subsídios à agricultura e programas de desenvolvimento em áreas afins da União Europeia, serão pagos nas contas bancárias dos agricultores até o dia 15 de março.

O atraso no pagamento dos subsídios da PAC faz parte da longa lista de queixas dos agricultores que se manifestam desde a semana passada em toda a França. Na última sexta-feira (26), ao anunciar um primeiro conjunto de medidas para acalmar o descontentamento agrícola, durante uma reunião em um curral no sul do país, Attal já havia prometido "acelerar" o pagamento, mas sem especificar uma data.

"Ouso dizer que nem tudo se resolverá em algumas semanas. Ouso dizer que os projetos são complexos e que, para alguns, será necessário mais trabalho. Assumo também a responsabilidade de dar respostas rápidas sempre que possível", argumentou, jogando um balde de água fria no movimento.

Attal prometeu ainda a criação de "um fundo de emergência antes do final da semana para apoiar os nossos vinicultores", especialmente os do sul do país. E também "desburocratizar a França", removendo ou simplificando regulações, exemplificadas pelos fazendeiros nas 14 normas hoje necessárias para se plantar uma cerca viva em seus terrenos.

Por fim, afirmou que o governo anunciaria "nas próximas horas e dias" novas medidas para os agricultores. Segundo a agência de notícias AFP, Attal receberia a FNSEA (Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores), maior sindicato agrícola da França, ainda nesta terça. Na noite de segunda, ele já havia recebido o presidente do sindicato, Arnaud Rousseau.

Enquanto isso, do outro lado da fronteira sul, as três principais organizações agrícolas espanholas anunciaram nesta terça a adesão ao movimento de protesto dos franceses com uma série de mobilizações em todo o país durante as próximas semanas --os organizadores não especificaram datas.

"O setor agrícola na Europa e na Espanha enfrenta uma frustração e um mal-estar crescentes devido às condições difíceis e à burocracia sufocante gerada pela regulamentação europeia", justificaram, em comunicado conjunto, a Associação Agrária Jovens Agricultores (Asaja), a União de Pequenos Agricultores e Pecuaristas (UPA) e a Coordenadora de Organizações de Agricultores e Pecuaristas (COAG).

Já o presidente Emmanuel Macron, em visita à Suécia, declarou que queria regular as importações de aves da Ucrânia a nível europeu. Macron pretende abordar o assunto durante um encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na quinta-feira (1º), enquanto o ministro da Agricultura, Marc Fesneau, vai a Bruxelas na quarta-feira (31) "para acelerar o processamento de emergências agrícolas".

Entre os assuntos que pretende discutir com Von der Leyen, o chefe de Estado "pede que haja medidas claras sobre as importações ucranianas", porque, segundo ele, os níveis atuais "desestabilizam o mercado europeu", citando cereais e galinhas como exemplo.

Sua segunda expectativa declarada é clareza sobre o Mercosul. "Exigimos que o acordo não seja assinado", afirmou. Por último, o presidente defende "flexibilidade em certas regras da PAC que são dores de cabeça para os nossos agricultores".

A respeito do Mercosul, no entanto, a leitura dos acontecimentos não é a mesma em Bruxelas. As condições "não estão prontas para concluir as negociações", reconheceu Eric Mamer, porta-voz da Comissão Europeia, acrescentando que "as discussões continuam".

Em seu discurso no Parlamento, o premiê Gabriel Attal falou ainda de mudanças nas legislações de diversas áreas. Prometeu, por exemplo, agir "com determinação" para que os ramos profissionais que continuam a pagar abaixo do salário mínimo aumentem essas remunerações.

Para os funcionários públicos, disse que será apresentado um projeto de lei específico no segundo semestre para melhorar os salários. Também quer dar a opção que os servidores possam fazer a semana de quatro dias, contanto que não diminuam a carga horária.

Attal afirmou querer "ir mais longe na reforma do seguro de desemprego" para "encorajar cada vez mais as pessoas a regressarem ao trabalho".

Na educação, comentou que apresentará, até março, uma reforma a respeito da formação dos docentes. Disse que "a decisão de repetir um ano ficará agora nas mãos da equipe docente". E que o apoio às crianças com deficiência durante o intervalo de almoço na escola passará a ser financiado pelo Estado. Por fim, anunciou um aumento salarial a partir de maio para os enfermeiros escolares.

Em relação à saúde, Attal disse que os pacientes serão penalizados se faltaram a consultas médicas marcadas. "Terão que pagar", afirmou. Para combater a escassez de médicos, ele confirmou "a regularização de médicos estrangeiros no nosso território" já anunciada por Emmanuel Macron.

O primeiro-ministro irá também "nomear um emissário, responsável por procurar no exterior médicos que queiram vir exercer sua profissão na França", assim como para atrair de volta "os jovens franceses que partiram para estudar medicina".