Cidade de Messi vive escalada de violência e reacende 'bukelismo' na Argentina

Por JÚLIA BARBON

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Dois ônibus andavam pela estrada levando cerca de cem funcionários penitenciários de volta para casa quando os disparos começaram. Vindos de um carro sem placa e com vidros pretos, nove projéteis estilhaçaram as janelas de um dos veículos e atingiram a nuca de um dos servidores de raspão.

O episódio aconteceu na manhã do último sábado (2) e iniciou uma semana sangrenta para Rosário, cidade argentina a cerca de três horas de Buenos Aires onde nem a família de Lionel Messi escapa da crise de violência. É a mesma região onde o supermercado dos pais de sua esposa foi atacado duas vezes no ano passado.

Na noite de terça (5), um taxista foi buscar um passageiro e terminou assassinado com nove tiros. Na noite de quarta (6), o mesmo aconteceu com um segundo taxista. As duas ocorrências são conectadas pelo uso dos mesmos projéteis 9 mm, possivelmente roubados da polícia local, e por um tênis deixado nas cenas dos crimes.

Elas se somaram a outros dois casos parecidos em menos de um mês. Já na quinta (7), foi a vez de um motorista de ônibus ser atacado a tiros e ficar gravemente ferido. Naquela noite, outro grupo também disparou ao menos seis vezes contra uma delegacia na cidade, sem feridos. Todos os agressores fugiram.

Os crimes, encarados como mais sofisticados do que o normal para a região, geraram forte comoção. Desencadearam protestos de taxistas, uma greve de motoristas de ônibus e o adiamento de atos pelo Dia Internacional da Mulher por coletivos feministas locais.

Também fizeram a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, pedir apoio das Forças Armadas e convocar um comitê de crise junto ao governador da província de Santa Fé, Maximiliano Pullaro. Ele desistiu de viajar a Buenos Aires nesta sexta (8) para uma esperada reunião convocada pelo presidente Javier Milei para baixar a tensão com as províncias.

Tanto o governo nacional quanto o governo provincial chamaram os grupos criminosos locais de "terroristas urbanos" e encararam a onda de violência desta semana como uma reação a ações de suas gestões, iniciadas em dezembro. "O que está acontecendo em Rosário é uma vingança pelo que estamos fazendo nas prisões", disse Bullrich.

Naquele mês, ela anunciou o chamado "Plano Bandeira", que colocou forças de segurança federais nas ruas de Rosário. Já o governo de Pullaro diz que transferiu cerca de 1.200 presos de delegacias para prisões, realocou detentos considerados mais perigosos em pavilhões de maior segurança e restringiu suas visitas.

Desde então, começaram a ocorrer ataques e ameaças contra o governador, que teve que tirar sua família da cidade. Cada grupo criminal acredita que as medidas favorecem seu rival, apesar de as autoridades dizerem que as medidas são iguais para todos.

Agora, ambas as gestões redobraram a aposta contra os grupos que disputam o tráfico de drogas local e fazem a cidade ostentar uma taxa de homicídios cinco vezes maior que a média do país. Foram 22 mortes por 100 mil habitantes em 2023, contra 4,2 na Argentina, que em geral não convive com o crime organizado.

"Não vamos negociar com as máfias, não vamos retroceder nas medidas que estamos adotando", disse secretário de Segurança de Santa Fé, Pablo Cococcioni, que na terça divulgou fotos de presos com o torso descoberto, sentados no chão em filas e cercados por agentes com armas longas e rostos cobertos.

As imagens viralizaram e fizeram lembrar o rigoroso regime carcerário que o presidente Nayib Bukele instaurou em El Salvador, conseguindo reduzir a criminalidade nos últimos cinco anos e se reeleger, às custas da supressão de direitos civis básicos.

A ministra Bullrich já trocou elogios com Bukele e disse que quer adaptar o modelo do salvadorenho --o que especialistas opinam que não daria certo na Argentina, por ser um país muito mais populoso, com crime mais diverso e controle entre os Poderes que foram suprimidos pelo líder salvadorenho.

Rosário tem 1 milhão de habitantes e abriga um dos maiores portos do país, com saída para o rio Paraná, por onde se transporta cocaína em direção a Brasil, Paraguai e países europeus. Além disso, tem uma grande fragmentação de gangues, relacionadas a clãs familiares, cuja disputa se intensificou na última década com a morte de alguns de seus líderes.

Em fevereiro, Bullrich comemorou dois meses do "Plano Bandeira" afirmando que houve uma redução dos crimes na cidade, mas o curto período analisado foi visto com ceticismo por especialistas.