Beneficio à J&F vai ser questionado no Ministério de Minas e Energia

Por ALEXA SALOMÃO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O debate parecia ter sido encerrado, mas volta com força. A autorização para a Âmbar Energia usar a sua térmica em Cuiabá, a Mário Covas, no lugar de quatro outras usinas a gás que atrasaram é questionada formalmente pela Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).

A Âmbar é braço de energia do grupo J&F, que também controla a JBS, empresa global do setor de carnes. A troca dos empreendimentos foi autorizada em 12 de julho pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), apesar de o contrato proibir esse tipo de operação.

A Abrace se prepara para entrar na Aneel com recurso contra o benefício, encaminhando cópia do documento ao MME (Ministério de Minas e Energia), questionando a pasta sobre a questão e pedindo posicionamento.

Segundo a Folha de S.Paulo apurou, em paralelo, está em análise a abertura de uma representação sobre a questão da Âmbar no TCU (Tribunal de Contas da União). O órgão está colhendo informações para identificar possíveis irregularidades e questionar a Aneel.

As quatro térmicas da Âmbar fazem parte de um grupo de 17 usinas que foram contratadas em outubro do ano passado pelo PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), um leilão de energia emergencial. Os empreendimentos deveriam operar de 1º de maio deste ano e 31 de dezembro de 2025. Caso ocorresse atraso na entrega da energia, haveria pagamento de multa e rescisão do contrato a partir de 1º de agosto deste ano.

Uma cláusula do contrato de fornecimento dessas térmicas exige que a energia seja entregue pela térmica que venceu o leilão e diz claramente que não é permitido substituir nenhuma delas por qualquer outra usina do sistema.

Do total, 11 delas, incluindo as 4 da Âmbar, não entraram em operação na data limite, no final de julho, e já foram notificadas a prestar esclarecimentos em 15 dias para a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).

O que está em discussão são quantias bilionárias a serem pagas pelos consumidores de energia. Pelas estimativas do setor, o conjunto de 11 térmicas do PCS que não ficaram prontas elevariam a conta de luz em R$ 32 bilhões. As quatro térmicas da Âmbar, assumidas pela térmica de Cuiabá, responderiam por quase R$ 18 bilhões dessa conta.

A Frente Nacional de Consumidores de Energia, associação de sete entidades que será oficializada nesta semana, divulgou carta aberta pedindo o cumprimento do edital, que prevê a rescisão do contrato em caso de atraso. Esse grupo de entidades também pede uma manifestação oficial do ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, para a Aneel.

O ministro já falou, em entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, que se uma térmica do PCS não ficar pronta no prazo, entende que o contrato está rompido.

Ele também já enviou correspondência à agência questionando o benefício dado à Âmbar e solicitando à agência um parecer sobre a legalidade da medida. No entanto, como a decisão já tinha sido proferida, não havia espaço técnico para a Aneel produzir um parecer.

Na avaliação de especialistas do setor, ouvidos pela reportagem com a condição de não terem os nomes citados, caso a Aneel não reverta a decisão, haverá espaço para o ministério agir.

A medida seria inusual, pois a Aneel, na condição de agência reguladora, é um organismo com autonomia. No entanto, a leitura do setor é que a agência extrapolou a sua competência ao descumprir uma regra do leilão, que é definida pelo ministério, para beneficiar uma empresa privada.

Para emplacar a medida que contrariava a regra do ministério, o relator da proposta, o diretor Efrain da Cruz, adotou duas premissas.

Primeiro, apesar de a térmica de Cuiabá substituir as quatro outras usinas, assumindo suas responsabilidades no PCS, as quatro térmicas seriam entregues dentro do prazo, e jogariam energia no sistema. Segundo, a troca das quatro usinas por Cuiabá representaria uma economia para o consumidor.

Nas duas vezes que o tema foi avaliado na diretoria, a Âmbar obteve aval da maioria dos diretores, inicialmente em decisão cautelar, de caráter provisório, depois em definitivo. Os argumentos foram considerados válidos por Sandoval Feitosa, Hélvio Guerra e Ricardo Tili. O único voto contrário foi o de Camila Bomfim. Giácomo Bassi se declara impedido para votar no caso.

A avaliação do jurídico da Abrace é que os dois pilares da proposta do relator Efraim caíram por terra.

As usinas já não forneceram energia até o prazo final. Num movimento isolado quando o prazo terminava, Efraim ainda tentou garantir outra mudança em favor da Âmbar.

Em 30 julho, solicitou à CCEE que centralizasse a leitura das quatro térmicas no medidor da usina de Cuiabá. Esse tipo de medida é possível, mas precisa de análise da área técnica e aval da diretoria. Não pode ser monocrática.

Antes de atender ao pedido, o presidente da CCEE, Rui Altiere, enviou correspondência à Aneel para fazer consulta adicional sobre a questão. A diretora geral interina, Camila Bomfim, respondeu, em 3 de agosto, que a decisão da diretoria não incluiu centralizar a medição das térmicas da Âmbar e que os procedimentos para leitura da geração de energia dos quatro projetos deveriam seguir os critérios utilizados para as demais usinas do PCS.

A Abrace também argumenta que não há economia para o consumidor. Todas as térmicas a gás do PCS são caras. Foram autorizadas quando havia seca e risco de racionamento. Agora, nem deveriam estar em operação. E o uso da térmica de Cuiabá no lugar dos quatro projetos do PCS não muda isso, afirma a entidade.

Dados da própria Aneel indicam que a economia oferecida pela Âmbar pela substituição seria de R$ 500 milhões. A depender o preço da energia à vista, poderia ocorrer desconto adicional de R$ 300 milhões. Ou seja, no melhor cenário, haveria uma redução de R$ 800 milhões.

O consumidor ganharia mais se o contrato fosse cumprido à risca, defende a Abrace. Nesse caso, os consumidores teriam direito a multa, no valor de R$ 260 milhões por mês, num total de R$ de 780 milhões, de maio a julho, e não pagariam os quase R$ 18 bilhões, afirma a entidade.

A expectativa é que passado o prazo de 15 dias para a apresentação de justificativas, todas as térmicas dos PCS atrasadas vão reivindicar o chamado excludente de responsabilidade.

Esse mecanismo permite a uma empresa pedir ressarcimento quando sofre um dolo excepcional. No caso, as empresas tendem a alegar que foram vítimas de circunstâncias imprevisíveis para justificar o atraso na construção das usinas ou na entrega da energia e para pedir prorrogação do prazo.

Uma já se antecipou, a turca Karpowership Brasil Energia. Seu pedido de excludente de responsabilidade está na pauta da reunião de diretoria desta terça-feira (9).

Procurada pela reportagem, a Âmbar não se manifestou.

CENTRÃO MOBILIZA INDICAÇÕES NA ANEEL

A percepção no mercado é que o debate em torno do atraso das térmicas a gás, especialmente das usinas da Âmbar Energia, envolvendo até o Ministério de Energia e o Tribunal de Contas da União, ocorre no contexto em que a áreas técnicas perdem espaço e há avanço da influência política nas agências reguladoras.

As agências foram adotadas, na virada dos anos de 1990 para 2000, para fazer o monitoramento, de caráter técnico, de serviços essenciais à população, em especial das empresas e dos setores cujas estatais estavam sendo privatizadas. Com o tempo, no entanto, as indicações e até as reconduções dos profissionais, inclusive de técnicos experientes, passaram a ocorrer a reboque da influência de parlamentares e integrantes do governo.

A avaliação é que muitos desses organismos chegam a estar sendo aparelhados, dado o nível de interferência.

No caso da Aneel, as recentes rodadas de seleção contaram com uma maior participação do chamado Centrão, o bloco que reúne representantes de diferentes partidos, que têm em comum a proximidade com o poder Executivo.

Segundo levantamentos realizados pela área de regulação de diferentes empresas, que precisam lidar com as agências, a recondução do experiente técnico Sandoval de Araújo Feitosa Neto e sua indicação para diretor-geral contaram com o apoio do Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, senador licenciado (PP-PI).

É sabido no mercado que o senador Marcos Rogério (PL-RO), forte aliado do governo bolsonarista, defendia que a direção-geral ficasse com Efrarin Pereira da Cruz, um conterrâneo de Rondônia.

Como a sugestão não vingou, o senador apoiou dois outros nomes, Ricardo Tili, que também é de Rondônia e já foi empossado na Aneel, e Fernando Mosna da Silva, assessor no gabinete do senador. Carioca, Mosna é procurador da AGU (Advocacia-Geral da União) desde 2012 e foi procurador federal em Rondônia.

Efrain, que não pode ser reconduzido a diretor, tem no seu gabinete a ex-mulher de Marcos Rogério. No mercado, circulam comentários de que estaria em análise a possibilidade de Efrain passar a atuar como assessor de Tili durante o período de quarentena, os seis meses em que não pode atuar no mercado.

O diretor Hélvio Guerra, outro técnico com currículo reconhecido na agência, foi reconduzido com apoio do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Igualmente respeitada por seus conhecimentos técnicos, Agnes da Costa, que assume no final do ano, recebeu chancela do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque. A atual diretora-geral interina, Camila Bomfim, que vai deixar a diretoria, fez carreira técnica na agência como especialista em regulação.

A assessoria de imprensa da Aneel destacou que há um rito oficial para as indicações. No processo, o ministro de Minas e Energia envia o nome do indicado para a Presidência da República que, por sua vez, envia mensagem submetendo o nome do indicado para sabatina no Senado Federal.

Apenas após a sabatina e aprovação no Senado Federal, o indicado é nomeado e toma posse na agência.

A assessoria destacou que os indicados precisam ter qualidade técnica. Destacou, por exemplo, que Sandoval Feitosa é servidor de carreira da agência há 17 anos e trabalhou na fiscalização por oito anos, foi assessor da diretoria, superintendente de duas áreas na Aneel, uma de regulação e outra de fiscalização, para então ter seu nome indicado para diretor.

Da mesma forma o diretor Hélvio Guerra, que foi superintendente de concessões e de fiscalização da geração da agência e presidente da Comissão Especial de Licitações da Aneel. Guerra foi ainda superintendente da agência de março de 2001 a março de 2019 e atuou no Ministério de Minas e Energia como secretário adjunto na Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético.

A assessoria do senador Marcos Rogério também destacou as atribuições de Fernando Mosna. "É um técnico reconhecido, com curriculum à altura da indicação, e que o apoio político é coletivo, porque depende da aprovação dos nomes pela comissão [do Senado]', diz mensagem enviada à reportagem.

Procurados pela reportagem, não se manifestaram o ministro Nogueira e o senador Braga.