Filósofo Luc Ferry faz tremer quem diz que gosta mais dos bichos do que das pessoas
TOULOUSE, FRANÇA (FOLHAPRESS) - "Vemos os humanos se mobilizando para salvar focas e baleias, mas nunca vimos o inverso", diz o filósofo Luc Ferry ao criticar os que animalizam os humanos e humanizam os animais e, assim, tentam apagar a especificidade humana, tão cara aos pensadores humanistas, que sublinham a liberdade e as histórias cultural e política como exclusivamente nossa.
"Eu vou esperar que os animais tenham bibliotecas e escolas para os considerar como irmãos", completa o francês, em conversa por email, para fazer tremer os que usam máximas como "gosto mais de bicho do que de gente".
A crítica à indiferenciação entre animalidade e humanidade é um dos temas presentes em seu recente livro "Les Sept Écologies", ou as sete ecologias, lançado na França no ano passado. Nele, o escritor best-seller elenca as grandes correntes da ecologia política, ataca veganos, os "fundamentalistas verdes", a "ideologia" do decrescimento, os seguidores de Greta Thunberg, e defende o ecomodernismo.
Essa corrente sustenta uma ecologia liberal, não hostil ao consumo, preconizando crescimento econômico sem destruição do planeta com investimento em novas tecnologias. "A inovação pode tornar crescimento, desenvolvimento e ecologia compatíveis", diz ele.
Ferry vai ao Brasil no mês que vem justamente para falar de tecnologia, em conferência no Fronteiras do Pensamento, em São Paulo e em Porto Alegre. O autor de "Aprender a Viver: Filosofia para os Novos Tempos", lançado pela Objetiva, e especialista na filosofia alemã dos séculos 18 e 19 é um habitué do evento. Ele esteve presente na primeira edição, há 15 anos, e, depois, em 2011, em 2015 -numa série especial em Salvador, e em 2019.
Ferry é um dos nomes mais populares e midiáticos entre os intelectuais da direita francesa, é colunista do jornal conservador Le Figaro e foi ministro da Educação entre 2002 e 2004, quando apresentou ao então presidente Jacques Chirac a ideia da proibição de símbolos religiosos nas escolas, que se tornaria lei em 2004 e incendiaria o debate francês sobre o véu usado por mulheres muçulmanas.
Foi uma fala do francês que inspirou o organizador do Fronteiras, o cientista político Fernando Schüler, a escolher o tema da série de palestras deste ano, "Tecnologias para a Vida". Segundo a fala de Ferry, a revolução da inteligência artificial, tema ao qual tem se dedicado na última década, terá um impacto maior em nossa vida do que as revoluções industriais anteriores.
Ele conta que se interessou pela IA e vem acompanhando e ajudando a divulgar o trabalho de cientistas nessa área em suas intervenções públicas, "porque nós, e sobretudo nossos filhos, vamos viver num mundo que não terá mais nada a ver com o nosso".
O ex-ministro tem defendido uma mudança no ensino que leve em consideração tais transformações. "As crianças devem ser formadas ao espírito crítico e à lógica da argumentação, pois essa será a única barreira sólida contra o mundo que está vindo, no qual será difícil diferenciar o virtual do real e as 'fake news' da verdade", diz. O filósofo, porém, não acredita na possibilidade de uma inteligência artificial autoconsciente e deplora os que a aventam como forma de amedrontar as pessoas.
Além do impacto na proteção do planeta, o uso de novas tecnologias na longevidade humana tem atraído Ferry, que defende o chamado projeto trans-humanista, que, como ele gosta de frisar, não visa prolongar a velhice, mas sim a juventude, ou seja, aumentar, graças ao avanço da biologia e da inteligência artificial, os anos de vida dos humanos com saúde e disposição física.
Ele opõe a sua visão a uma visão naturalista da existência humana, que herdamos, diz, dos antigos, em particular do estoicismo e do budismo, para quem devemos nos resignar à ordem natural das coisas. "Hoje, ecologistas e adeptos da psicologia positiva nos aconselham a nos voltarmos aos ensinamentos da natureza em vez de aos artifícios da tecnociência; o objetivo não é viver mais, mas viver bem, ou seja, em harmonia com a ordem do mundo."
"Se os ideais de uma perfectibilidade indefinida e de uma educação ao longo de toda a vida são próprios ao humano, se a busca por uma vida melhor para si e para os outros não tem porquê parar, a velhice é um problema", diz Ferry, que tem 71 anos, ao explicar seu desacordo. "Morrer aos dez, aos 40 ou aos cem não é indiferente, pois o fato de pertencermos mais à história do que à natureza nos transforma sem parar."
FRONTEIRAS DO PENSAMENTO - LUC FERRY
Quando 19/9, em São Paulo; 21/9, em Porto Alegre; 30/9, online
Onde Teatro Claro - r. Olimpíadas, 360, São Paulo. Casa da Ospa - av. Borges de Medeiros, 1.501, Porto Alegre
Preço R$ 948 a R$ 1.990
Link: https://fronteiras.com/temporada/temporada-2022