Fraude do leite se repete depois de 15 anos em Uberaba; setor diz que casos são pontuais

Por MARCELO TOLEDO

RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - A recente descoberta de um grupo suspeito de adulterar leite com soda cáustica em Uberaba, no Triângulo Mineiro, ecoa uma fraude descoberta há 15 anos na mesma cidade e que assustou o país.

A operação Ouro Branco, deflagrada pela PF (Polícia Federal) em outubro de 2007, descobriu um esquema de fraude no leite praticado por duas cooperativas mineiras, uma delas em Uberaba, a Copervale (Cooperativa dos Produtores de Leite do Vale do Rio Grande).

Uma fórmula química composta por soda cáustica, ácido cítrico, sal, citrato de sódio, açúcar e água era incluída no leite longa vida para aumentar volume e validade. Com isso, crescia também o lucro.

Dezoito pessoas foram condenadas à prisão, entre elas dirigentes da cooperativa, técnicos, funcionários e até um fiscal agropecuário. Desses, 14 funcionários fizeram delação premiada e tiveram penas reduzidas.

Agora, quatro pessoas foram detidas em julho na cidade sob a suspeita de terem desviado e adulterado leite. Com elas, foram apreendidos 500 litros de produto adulterado, além de 650 litros de uma mistura usada na fraude, diesel, soda cáustica, sulfato de amônia e outros bens, como smartphones e veículos.

A avaliação da polícia é de que o grupo adulterava o leite com soda cáustica havia pelo menos um mês.

As fraudes não se comparam em termos de volume e sofisticação, mas acendem um alerta de que possíveis irregularidades ainda estão presentes no segmento leiteiro mineiro, mesmo 15 anos após a célebre operação que fez a PF recolher amostras de leite em ao menos quatro estados e gerou receio quanto ao consumo na população.

"[As fraudes] São extremamente pontuais, mas pelo dano à imagem do setor que eles oferecem, deveriam ter uma punição muito rigorosa", afirmou o docente da USP (Universidade de São Paulo) Marcos Fava Neves, especialista em agronegócio.

Ele avalia que os registros de casos são pequenos perto da dimensão da cadeia leiteira brasileira.

Fraudes no leite, de diferentes formas, foram registradas nos últimos anos pelo país. No ano passado, por exemplo, a Justiça da Paraíba manteve a condenação de um grupo que misturava leite em pó com soro em pó e vendia como leite integral, com o objetivo de ampliar os lucros.

Presidente da Abraleite (Associação Brasileira dos Produtores de Leite), Geraldo Borges disse que o setor não compactua com fraudese que os episódios registrados em Uberaba não representam o setor leiteiro no país.

"No mercado formal, a existência de fraudes é praticamente nula e a recomendação da Abraleite é que os consumidores sempre procurem produtos formais. A fiscalização por parte das autoridades competentes evita riscos de fraude no leite e seus derivados", disse.

A entidade representa mais de 1,1 milhão de propriedades produtoras de leite no país.

Borges afirmou que o leite cru que sai das propriedades leiteiras é puro e sem aditivos e passa por testes nos laticínios para comprovar essa pureza.

"A fraude detectada em Uberaba é uma ocorrência pontual e não representa nem um pouco o setor leiteiro brasileiro, que é composto por produtores e indústrias sérias, que fornecem o alimento mais nobre de todos à quinta maior população do mundo. Fraudes como essa devem ser reprimidas e seus autores punidos de acordo com a lei", afirmou Borges.

Copervale 15 anos depois E como está a Copervale, pivô da fraude do leite 15 anos atrás? A cooperativa está fechada desde 2013 devido a problemas administrativos, acumula dívida milionária e, da antiga sede na BR-262, hoje só há ruínas.

A área de mais de 80 mil metros quadrados do complexo industrial foi vendida em leilão em outubro de 2020 por R$ 8,98 milhões (R$ 10,76 milhões corrigidos pela inflação).

A marca Centenário, que pertencia à Copervale e esteve envolvida no escândalo de 2007, foi vendida anteriormente, também em leilão, por R$ 61,2 mil (R$ 74.200, valor também corrigido).

Embora já não exista mais condições de produção na antiga cooperativa, a Copervale mantém um site no ar com documentos relativos aos credores e à recuperação judicial e afirma que luta para revogar o processo de falência. A Folha não conseguiu contato com administradores.

Mercado enfrenta dificuldades O setor leiteiro, como outros da economia, enfrentou dificuldades nos últimos anos, mas teve melhora recente nos preços. Em 2021, o setor voltou ao patamar de 2015 nas vendas de leite longa vida, devido ao agravamento da pandemia e os reflexos negativos na economia.

Segundo dados da ABLV (Associação Brasileira da Indústria de Lácteos Longa Vida), houve redução de 3,7% no mercado total de leite e, dentro dele, queda de 3,5% no volume de leite longa vida no ano passado.

Além da redução na produção e consumo, relatório da associação mostra que 2021 talvez tenha sido o pior entre os últimos anos para a rentabilidade do setor lácteo, com aumentos significativos dos custos de produção, particularmente do leite in natura, além de combustíveis, embalagens, mão de obra e serviços.

Nos últimos meses, porém, os preços reagiram em toda a cadeia, aponta relatório do Itaú BBA. Para o produtor, o preço do litro alcançou R$ 3,19 na média do país segundo medição do Cepea, o que representa 38% mais em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Já nas negociações entre indústrias, o preço passou de R$ 4 o litro. "Por trás dessas elevações está a redução de oferta de leite ao longo do primeiro semestre", diz trecho do relatório, que aponta ainda que a elevação dos preços na cadeia láctea reflete muito mais a contração da oferta do que a melhora de demanda