Cresce número de pacientes que só monitoram casos iniciais de câncer de próstata

Por CLÁUDIA COLLUCCI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Observar e esperar. A prática ainda causa estranheza quando se trata de câncer, mas, para alguns tumores, como de próstata, de rins e de mama, o conceito de vigilância ativa ganha cada vez mais adeptos.

Novos estudos e métodos têm trazido cada vez mais segurança para essa modalidade, na qual não há necessidade de cirurgia, quimio ou radioterapia.

Homens com câncer de próstata são os que mais têm se beneficiado com essa opção. Um estudo divulgado no Congresso Americano de Urologia, em maio, mostrou que nos últimos sete anos mais do que dobrou o número de pacientes com tumores iniciais em vigilância ativa nos Estados Unidos --de 26,5% para 59,6%.

Nesses casos, a vigilância significa monitorar com testes, como ressonância magnética, PSA (antígeno prostático específico) e exame de toque retal, e consultas periódicas os tumores pequenos e de baixo risco e só tratá-los se houver sinais de progressão do câncer.

Muitos dos casos de câncer de próstata diagnosticados por meio do PSA é de baixo risco. Isso significa que eles são pequenos, confinados à próstata e pouco agressivos de acordo com um sistema de classificação internacional (pontuação de Gleason).

Segundo o urologista Roni Fernandes, vice-presidente da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), a opção da vigilância ativa também tem crescido no Brasil, está muito bem estabelecida em estudos internacionais e integra as diretrizes da SBU.

"Quando você classifica muito bem o paciente antes de indicar qualquer tratamento, tem certeza que ele é de baixo risco, as chances de sucesso são acima de 90%, iguais aos do tratamento tradicional, que é a prostatectomia [retirada da próstata] e a radioterapia.

Entre os critérios estão o paciente ter PSA menor que 10 ng/ml e apenas uma pequena porção da próstata acometida. Testes genéticos do tumor, que podem indicar se ele é de alto ou baixo risco, também têm sido usados.

A cirurgia pode causar efeitos colaterais, como incontinência urinária e disfunção erétil. "Quando você sugere a vigilância com segurança e o trade-off [a troca] é não ter incontinência urinária e, principalmente, não ter disfunção erétil, os pacientes concordam em fazê-la", diz o urologista Carlos Sacomani, editor-chefe do Boletim de Informações Urológicas, da revista da SBU, regional de São Paulo.

Para Sacomani, no Brasil, essa opção esbarra em limitações quando se trata de pacientes do SUS. "Num país que tem um acesso difícil à atenção primária, ao diagnóstico precoce de câncer, a dúvida é se a gente consegue pegar o paciente na fase inicial. Vigilância ativa pressupõe monitoramento adequado, o paciente precisa conseguir marcar consulta, fazer os exames necessários. Esse é o grande desafio."

Fernandes lembra que a vigilância só é indicada se o paciente fizer consultas e exames a cada três meses, toque retal e ressonância magnética a cada seis meses, e biopsias programadas. "Tem que transformar a vigilância numa religião. Se não tiver condições para isso, é melhor tratar."

Segundo o urologista, a vigilância ativa também tem sido adotada no câncer de rim, em situações em que as massas tumorais sejam menores do que 4 cm e os pacientes são idosos. "A gente acompanha, faz exames de imagem. Se a massa crescer mais do que 0,5 cm ao ano, aí a gente opera."

No câncer de mama, o protocolo de vigilância ativa tem sido muito estudado em casos do carcinoma ductal in situ, que são microcalcificações contidas no interior dos ductos de leite da mama. Estudos indicam que menos de 50% desses casos se vão se tornar tumores invasivos, ou seja, que podem se espalhar para outras áreas e demandam cirurgia e outras terapias. O restante, em tese, poderia ser apenas monitorado. Mas ainda não há métodos seguros para diferenciá-los.

Por isso, segundo a médica Carolina Soliani, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia, não há respaldo científico para não operar pacientes jovens e saudáveis com esse tipo de tumor. "Em casos de pacientes muito idosas, que têm comorbidades e tenha um in situ pequeno, a gente avalia o benefício da cirurgia."

De acordo com o mastologista José Luis Bevilacqua, nesses casos, tem sido proposto um "descalonamento" de tratamentos, evitando radioterapia ou quimioterapia ou mesmo cirurgias mais radicais. "Como médicos devemos sempre ponderar a intensidade ou agressividade dos tratamentos frente às comorbidades de um paciente", afirma.

Hoje, há três grandes estudos mundiais acompanhando mais de mil mulheres com câncer de mama in situ que estão sob vigilância ativa. O maior deles, com 932 pacientes, iniciou o recrutamento em 2014 e terminou em 2020. O grupo foi dividido entre quem fez cirurgia e quem está sob o protocolo de vigilância ativa. As pacientes serão seguidas por dez anos e farão mamografias anuais.

"Precisamos desses resultados para entender o comportamento do tumor e ter segurança na indicação [da vigilância]. Hoje fica a dúvida: 'será que, não operando, a gente não vai estar expondo essa paciente a ter um [câncer] invasor e progredir a doença?", diz Carolina Soliani.

A massoterapeuta Rosangela Bittencourt, 63, teve diagnóstico de câncer de mama ductal in situ há quase 20 anos e recebeu indicação de uma mastectomia (retirada das mamas) bilateral. Mas após dois anos na fila de espera do SUS, ela desistiu da cirurgia e partiu para tratamentos da medicina tradicional chinesa.

"Foi uma decisão difícil, mas quando eu soube que depois da mastectomia ainda teria que passar por uns oito procedimentos, desisti e apostei em outros caminhos", diz. Ela continua monitorando as microcalcificações com exames e consultas médicas, mas afirma que elas diminuíram e estão sob controle.

No caso do câncer colorretal baixo, o protocolo Watch&Wait (observar e esperar), como é conhecido internacionalmente, foi desenvolvido pela médica brasileira Angelita Habr-Gama nos anos de 1990 e consegue evitar que o paciente seja submetido a cirurgias de grande porte, que podem resultar em infecções, disfunções sexual e urinária, além da necessidade de colostomia [bolsa coletora de fezes].

O protocolo mostrou que pacientes com esse tumor respondem bem ao tratamento com radio e quimioterapia, sem necessidade de serem operadas. Mas precisam fazer consultas médicas para exame físico e realizar exames laboratoriais e de imagem.

A cirurgia só é realizada caso o tumor reapareça, o que acontece em cerca de 25% dos casos, segundo Rodrigo Oliva Perez, cirurgião do aparelho digestivo do Hospital Oswaldo Cruz (SP). Ele é o pesquisador principal de um estudo multicêntrico que irá definir qual melhor estratégia de tratamento dos pacientes sob o protocolo.