Livro sobre Flordelis descreve guerra familiar entre ela, marido e filhos
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Uma guerra familiar entre mãe e filhos biológicos, adotivos e de criação, que terminou em morte e prisão. A jornalista Vera Araújo, do jornal O Globo, lança nesta terça-feira (23) o livro "O Plano Flordelis: Bíblia, Filhos e Sangue" (editora Intrínseca), na livraria da Travessa do Shopping Leblon, no Rio de Janeiro.
Lançada no mês em que se completa um ano da prisão preventiva de Flordelis dos Santos de Souza, 61, a obra mergulha na história do assassinato do pastor Anderson do Carmo, marido da ex-deputada federal, em junho de 2019. O julgamento dela está marcado para 12 de dezembro.
A obra resgata a história da acusada ser a mandante do homicídio.
Três dias após o crime, dois filhos da então deputada foram presos suspeitos de envolvimento no assassinato: Flávio dos Santos Rodrigues e Lucas dos Santos de Souza.
Em 2020, também foram detidos pelo caso mais dois filhos, Adriano dos Santos Rodrigues e André Luiz de Oliveira, outros três considerados filhos de criação (sem adoção formal), Carlos Ubiraci Francisco da Silva, Marzy Teixeira da Silva e Simone dos Santos Rodrigues, e a neta Rayane dos Santos Oliveira.
Quatro deles já foram julgados e condenados.
O livro revela como estão alguns dos presos por participação no crime. O filho biológico Flávio, apontado como executor do assassinato, é um dos que menos recebe visitas na prisão e é acompanhado pela avó, mãe de Flordelis.
Marzy, também presa, tentou cometer suicídio em março e agora receber atendimento médico e psicológico, segundo a autora.
O advogado Rodrigo Faucz, que defende Flordelis, Adriano, Marzy e Rayane, afirmou que não irá se manifestar porque ainda não teve acesso ao conteúdo do livro, mas confirmou o episódio em que Marzy tentou cometer suicídio. A reportagem não conseguiu contato com as defesas dos outros presos.
Marzy faz parte de um grupo de filhos de criação de Flordelis que se aproximou das famílias biológicas após o crime.
"A família não era de comercial de margarina. Havia vários conflitos e isso só veio à tona na morte do Anderson", diz Vera, que descreve como "guerra familiar" a relação entre as dezenas de filhos --biológicos, adotivos e de criação-- que viviam com Flordelis.
Ela tem três filhos biológicos e 55 entre adotados e os chamados afetivos, de criação, sem adoção formal.
"Era uma família que tinha os privilegiados e o pessoal que ficava ao 'Deus dará', a ponto de ter geladeiras diferentes, uma delas com guloseimas, restrita a um 'núcleo duro'. Ali era um caos, uma guerra familiar", afirma a autora.
Flordelis, conhecida a partir da década de 1990 por resgatar e criar crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, tornou-se ainda mais conhecida como cantora gospel, com hits de sucesso nas rádios evangélicas.
Construiu a própria igreja, o Ministério Flordelis, em São Gonçalo, com a ajuda de Anderson.
O marido de Flordelis foi um dos primeiros adolescentes resgatados por ela. A diferença de idade entre os dois era de 16 anos.
A partir da leitura do processo judicial, com mais de 20 mil páginas, além de entrevistas e buscas em acervos de jornais, a autora expõe uma complexa teia de relações.
Uma delas é a do namoro entre Anderson e Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, quando eles ainda eram adolescentes. Flordelis casou-se com Anderson anos depois e diz nunca ter tomado conhecimento do relacionamento entre a filha e o marido.
O livro descreve ainda depoimentos de frequentadores da casa e da igreja. Fábio Lopes da Silva, um dos fiéis do templo, menciona rituais em que Anderson era colocado sem roupa em um círculo de pessoas. Silva era autorizado a manter relações sexuais com Flordelis.
Alexander Vigna, professor de muay thai, diz ter vivido um episódio em que Anderson saiu de um quarto de hotel e o trancou com Flordelis.
Pelo relato do professor, a pastora tentou obrigá-lo a ter relações sexuais com ela, e Vigna diz que precisou se trancar em um banheiro para rejeitar a investida.
A entrada na vida política foi o estopim para uma relação familiar já extremamente conturbada, segundo a jornalista. Anderson era o braço direito de Flordelis no Congresso e chegou a pleitear um crachá especial para circular em plenário.
"Ele começou a ficar com muito poder. Escolhia as roupas dela, encomendava os discursos e ficava com boa parte do dinheiro. As divisões não eram tão equilibradas", diz a autora.
A relação começou a minar, diz Araújo, quando Simone, filha biológica de Flordelis, lembra a mãe que a deputada era ela, não Anderson.
"A morte dele foi um divisor de águas. A própria família elaborava um plano para matar Anderson, e o próprio Anderson sabia da existência do plano, mas nunca acreditou. A Flordelis tinha uma influência no Congresso, isso está claro, mas foi graças ao Anderson", diz Araújo.