Pobres não conseguem viver em Trancoso, diz líder de ocupação na Bahia

Por JOÃO PEDRO PITOMBO

SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - As ocupações com cerca de 3.000 famílias em Trancoso, distrito de Porto Seguro (a 710 km de Salvador), são defendidas pelos líderes dos movimentos de luta pela terra, que afirmam haver uma forte pressão por moradia popular na região.

Ao todo, quatro assentamentos foram erguidos desde 2020 em fazendas nos arredores de Trancoso e acirraram tensões na região, resultando em protestos e em sucessivos bloqueios de estradas.

Coordenador regional do Movimento Resistência Camponesa, Andro Ribeiro de Almeida afirma que existe uma forte demanda por moradia na região, mas a especulação imobiliária e o avanço do turismo de luxo fazem com que as terras tenham preços proibitivos para os mais pobres.

"O fato é que quem é mais pobre não consegue viver em Trancoso. Como uma pessoa que vem para cá para trabalhar vai conseguir pagar R$ 1.500 em uma quitinete? Por isso as ocupações começaram. Ninguém gosta de morar embaixo de lona, mora porque precisa", afirma.

As primeiras ocupações na região começaram em 2020 na fazenda Mirante Rio Verde, área de 12 hectares que fica dentro de uma área de proteção ambiental. Depois, se espalharam por outros três terrenos, um deles próximo a área onde está sendo construída uma unidade do Hotel Fasano.

Almeida admite que parte da vegetação foi desmatada pelas primeiras famílias que ocuparam o terreno do Mirante Rio Verde, mas houve uma mudança de orientação após a chegada do Movimento Resistência Camponesa, que se uniu à ocupação no fim de 2020 para ajudar na organização das famílias.

"A gente proibiu o uso de motosserras e de máquinas. Começamos um projeto de quintais produtivos para implantar agroflorestas", afirma.

A ocupação dos terrenos é alvo de críticas de parte dos moradores de Trancoso, distrito com cerca de 11 mil moradores e que tem no turismo a sua principal atividade econômica.

O vice-prefeito Paulo Cesar Onishi (União Brasil), conhecido como Paulinho Toa Toa, disse à Folha que a ocupação das terras é um movimento orquestrado de caráter político e que a maioria das famílias instaladas na região é de fora de Porto Seguro.

Almeida diz que é maioria dos moradores é da própria região e que as famílias que vêm de outras cidades trabalham ou estão em busca de empregos em Trancoso, que tem pujança econômica.

"Eles dizem que o nosso movimento é orquestrado, mas a orquestra é o próprio povo que busca moradia e oportunidade. Trancoso não produz nada, toda a comida daqui vem de fora."

Moradores do distrito também criticam impactos ambientais e dos sucessivos protestos com bloqueios de vias. O Movimento Resistência Camponesa, por sua vez, alega que fechamento das estradas é a única forma de chamar a atenção da Polícia Militar para os conflitos agrários da região.

De acordo com Almeida, parte das famílias que ocuparam os terrenos estão sendo alvo de ameaças, inclusive com a presença de pistoleiros armados.

Em 2021, uma das terras teve a reintegração de posse assinada, o que resultou na demolição das casas em uma área onde moravam 17 famílias, gerando revolta entre os moradores das ocupações.

Um dos questionamentos é que a reintegração descumpriu a determinação do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu despejos e desocupações em razão da pandemia da Covid-19, medida que segue em vigor até 31 de outubro.

O Movimento Resistência Camponesa afirma que é dever do estado fazer a reforma agrária e defende que a Justiça deve avaliar o caso com base na legislação agrária e não só baseada Código de Processo Civil, que considera a invasão um crime.