Congresso cede a interesses e joga custo na conta de luz, diz Luiz Barata

Por ALEXA SALOMÃO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O engenheiro Luiz Eduardo Barata é um dos profissionais mais experientes ainda na ativa no setor de energia elétrica. Começou a carreira em Furnas em 1975 e passou pelos maiores organismos da área.

Nesta quarta-feira (10), ele assume a presidência de um novo organismo, a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, que reúne as maiores entidades dessa área. A frente vai atuar no que considera um novo foco gerador de aumentos no custo da energia no Brasil, o poder político.

Quando faz um retrospecto, Barata afirma que o recente protagonismo dos políticos na área de energia, especialmente parlamentares do Congresso Nacional, deteriorou o ambiente para a tomada das decisões técnicas, um dos pilares do setor.

Segundo Barata, sensíveis a grupos de interesse, deputados e senadores utilizam o instrumento das emendas para beneficiar empresas e setores, jogando os custos, muitos deles bilionários, para o consumidor de energia pagar.

Os consumidores estão participando desse mercado como meros pagadores da conta, sem protagonismo nas discussões", afirma Barata. "Queremos espaço para chegar lá é dizer 'isso aí está ruim'."

Fazem parte da frente Conacen (Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica); Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor); Instituto Clima e Sociedade (iCS); Instituto ClimaInfo; Instituto Pólis; Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres); Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia); e Abividro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro).

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PERGUNTA - Qual é o ambiente que leva à criação de uma frente em defesa do consumidor de energia?

LUIZ BARATA - O histórico do setor de energia é até positivo, mas o momento é muito ruim. Até a década de 1990, com a grande reforma do governo de Fernando Henrique Cardoso, existiam dois grandes grupos de influência na área, os geradores e os distribuidores. O setor era bem hermético e tratado apenas por seus técnicos.

A partir daí, ocorreu uma profunda mudança. Entraram as térmicas e, depois, as novas renováveis. Com a geração distribuída e o mercado livre de energia, o segmento de consumo se diversificou. Foram criadas inúmeras entidades setoriais. Entrou a mídia especializada também.

Recentemente, entrou o que chamo de terceiro agente, o poder político. No meu entendimento, numa democracia, o poder político até dá a última palavra na criação das leis, mas em cima de avaliações técnicas e econômicas, o que não estamos vendo.

P - Podia explicar melhor?

LB - Os grupos de interesse da área de energia, empresas e também setores da indústria de eletricidade, quando não são atendidos por órgãos regulatórios ou pelo Executivo, passaram a fazer pressão sobre os políticos. Assim, começaram a ser feitas mudanças importantes via emendas parlamentares.

É o processo que vivemos hoje. A revelia de critérios técnicos ou econômicos, o Congresso cede a grupos de interesse e aprova leis que são prejudiciais ao setor de energia.

P - Prejudiciais em que sentido?

LB - Aumentam a conta de luz. Essa frente que estamos propondo não vem à toa, mas da constatação desse ambiente. O Congresso deveria estar defendendo o cidadão, mas não é o que estamos vendo nas decisões que ele tem tomado.

Os consumidores estão participando desse mercado como meros pagadores da conta, sem protagonismo nas discussões. Mas nós não queremos ser exclusivamente pagadores de contas. Queremos espaço para chegar lá é dizer 'isso aí está ruim'.

P - Pode dar exemplos de prejuízos financeiros para o consumidor?

LB - Um é o resultado do leilão chamado PCS [Procedimento Competitivo Simplificado], que foi em outubro do ano passado. Foram contratados mil e poucos megawatts médio, por três anos e meio, ao custo de R$ 39 bilhões.

Teve também o processo de conversão da medida provisória de capitalização da Eletrobras, que resultou na aprovação de uma série de emendas, chamadas jabutis. É escandaloso. Determinou a contratação de 8 gigawatts de térmicas a gás em regiões onde não temos gás nem consumo, e muitas outras medidas, sem o menor respaldo técnico ou econômico.

P - Mas como reverter isso, já que precisa mudar a lei no Congresso, e foi o próprio que fez?

LB - Realmente, tem uma lei aprovada, e não queremos desrespeitar leis. Mas entendemos que o Congresso fez uma lei equivocada. Quando isso acontece, a lei pode ser revista pelo próprio Poder Legislativo. Então, vamos mostrar aos parlamentares como é prejudicial para o consumidor de energia do Brasil manter esses 8 megawatts de térmicas a gás do jeito que fizeram.

Deixe explicar uma coisa. Nossa matriz é uma dádiva da natureza. Temos rios que permitiram as hidrelétricas, ventos para eólicas, sol para energia fotovoltaica e resíduos vegetais para o uso da biomassa. Temos tudo para a nossa energia ser limpa e barata e, no entanto, insistimos em contratar energia mais cara. Temos de mudar isso.

Além do mais, vamos questionar os subsídios na conta de luz.

Não estou falando da tarifa social para baixa renda. Estou falando do subsídio ao agronegócio. Estou falando do absurdo que virou a CDE [Conta de Desenvolvimento Energético]. Era uma boa ideia em 2002, quando foi aprovada. Mas para este ano ele precisou de mais de R$ 30 bilhões. Não dá.

O terceiro elemento responsável pelo aumento da conta de luz é a tributação. Começou a ser atacada com a limitação do ICMS, mas o problema é muito maior e precisa ser debatido num escopo que extrapola a área de energia.

P - Esse e todos os outros governos estão investindo fortemente em térmicas. O que acha disso?

LB - Alguns me incluem no grupo dos que se opõem ao uso de térmicas. Não sou contra. Há espaço, mas para térmicas a gás chamadas flexíveis [que possam ser ligadas quando necessário e deligadas depois]. Não acho que haja para térmicas inflexíveis [que ficam ligadas o tempo todo].

A questão é que querem ampliar o programa de gás no Brasil usando as térmicas inflexíveis.

O uso do gás para a indústria é absolutamente bem-vindo. Mas não é razoável que o setor de energia elétrica seja usado para subsidiar a expansão do setor de gás. Por que aí vamos ter aquela contradição: verter água nos reservatórios com térmicas ligadas. Isso, no fundo, é um tipo de subsídio.

Vamos exemplificar usando o caso dos 8 gigawatts de jabutis da Eletrobras.

Aquelas térmicas vão ficar em um local que não tem gás. Para colocar gás nessas térmicas precisa construir gasodutos. Ou seja, esse projeto tem duas etapas. Na primeira, colocar térmica onde não tem gás. E depois tem a segunda, construir o gasoduto para levar o gás a essas térmicas. E quem vai pagar? O setor de energia elétrica. Não é razoável. Os consumidores de energia elétrica estão subsidiando o setor de gás.

Veja bem, você não constrói parque eólico onde não tem vento. Não coloca placa solar onde não tem sol. Não tem que colocar térmica a gás onde não tem gás.

P - Partes das crises recentes ocorreram porque viemos de dois anos de secas. Como setor elétrico elétrico está contemplando as mudanças climáticas no planejamento?

LB - Está sendo pouco contemplado. Existe no setor muita gente que resiste a acreditar em mudanças climáticas, apesar de elas serem visíveis no mundo, não apenas no Brasil.

Agora, para sanar as crises que vivemos com as secas não precisa de térmica inflexível. E também não precisamos de térmicas para economizar água no reservatório. Podemos usar solar e eólica.

A outra coisa que precisamos discutir é o arcabouço regulatório, que se esgotou.

P - Esgotou-se em que sentido?

LB - Em 1998, o arcabouço setorial mudou completamente. Passou a ser mercantil. Em 2000 e 2001, veio o racionamento, e foi feita uma série de ajustes nesse modelo. Em 2004, quando Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia no governo Lula, veio uma minirreforma. O que foi feito neste período praticamente vale até hoje.

A legislação precisa acompanhar o que estamos vivendo. E não temos respostas prontas. Quando você vive um período transformador como o atual você pode adotar duas posições, absolutamente antagônicas. Estudar as mudanças para não ser abalado. Ou resistir, acreditando que elas não vão ocorrer.

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RAIO-X

LUIZ EDUARDO BARATA FERREIRA, 69

Engenheiro eletricista, pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Estado da Guanabara, tem pós-graduação e MBA na área pela COPPE/UFRJ. Começou a atuar no setor em 1975, em Furnas, passando por Itaipu e Eletrobras, onde chegou a integrar o conselho de administração. Foi superintendente e presidente do conselho de administração da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), secretário-executivo do MME (Ministério de Minas e Energia) e diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico)