Promotora critica absolvição de PM que pisou em mulher negra na zona sul de SP
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A promotora da Justiça Militar Giovana Ortolano Guerreiro disse ter ficado surpresa com a decisão do Tribunal de Justiça Militar de absolver o policial que pisou no pescoço de uma mulher negra rendida na zona sul de São Paulo. "Eu não esperava a absolvição, principalmente diante das imagens, que eram bastante contundentes."
O caso aconteceu em maio de 2020 e foi registrado em vídeo. As imagens mostram um dos policiais, João Paulo Serverato, pisando no pescoço de Elizabete Teixeira da Silva, que hoje tem 53 anos. Ele ainda sustenta todo o peso do corpo sobre a mulher e a arrasta.
A defesa de diz que os policiais envolvidos no episódio atuaram em legítima defesa e que Serverato pisou "nas costas, próximo ao pescoço" de Elizabete.
De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo, antes de ser rendida e ter o pescoço pisado, a vítima recebeu três socos e um chute na perna, que teria causado fratura na tíbia.
Guerreiro afirma que, além das imagens, os depoimentos de vítimas e de testemunhas indicavam que não havia situação de enfrentamento comprovada.
Para ela, apesar de Elizabeth estar errada ao interferir em uma abordagem policial, a atitude dela não justifica a reação do agente.
"Até mesmo pelo porte físico dele e dela. O policial poderia ter algemado Elizabeth, mas ele a chutou tão forte, mas tão forte, que quebrou a perna dela. Há relatos de que ela sofreu desmaios. Ela estava no solo, desfalecida e não oferecia resistência. Ele deveria ter levantado ela e a algemado", diz a promotora.
Servato e outro agente que participou da ação foram absolvidos por 3 votos a 2 no último dia 24. A promotora disse que deve apresentar recurso até a próxima segunda (5).
A Folha teve acesso a dois dos três votos que inocentaram Servato e Leite. Nos documentos, os capitães da PM Alisson Bordwell da Silva e Marcelo Medina afirmam que discordaram do juiz civil José Alvaro Machado Marques e do capitão Marcelo Adriano Brandão, que votaram a favor da condenação, por serem militares e terem "experiência profissional" como policiais.
Para o advogado de defesa da vítima, Felipe Morandi, os oficiais foram corporativistas e defenderam os policiais em vez de julgá-los.
A promotora avalia que não houve corporativismo, mas afirma que, apesar de a polícia ser recebida com violência e desrespeito em alguns lugares, isso não pode ser usado como justificativa para toda e qualquer ação.
"A reação policial ao golpe de Elizabeth, feito com o rodo, é totalmente desproporcional. Foge de toda a técnica policial e é por isso que é inaceitável que a conduta encontre amparo no excludente de ilicitude", diz.
O excludente de ilicitude é um dispositivo que abranda penas para agentes que cometerem excessos "sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção", inclusive em operações com mortos.
João Carlos Campanini, advogado de defesa dos policiais, afirma que seus clientes atuaram em legítima defesa. "O direito prevê a atuação em estado de necessidade, deixando de se tornar crime o ato de alguém que, nessas hipóteses, sacrifica direito alheio para salvaguardar direito próprio de maior amplitude."
Campanini afirma que Servato não pisou no pescoço de Elizabeth, mas "nas costas, próximo ao pescoço".
Para a promotora, ainda que não tenha havido lesão no pescoço da vítima, é a conduta do policial que deveria ser analisada. "Não estamos falando do resultado das ações do policial, mas da conduta. Ele não poderia ter subido em cima do pescoço de uma civil que estava rendida. E depois ele ainda arrastar a civil pelo chão."